20 de agosto de 2013

Capítulo 23 - Complicado e perfeitinho

Uma história em quatro mãos - Laços do coração



Luisa acordou inquieta, fazia alguns dias desde que vira Caio, aquilo parecia ser um sinal de Deus. Sua vida tinha mudado muito desde que saíra de Ramos pra estudar moda, viajara por muitos lugares, conhecera muitas pessoas importantes e muita gente má também. Saía e entrava em relacionamentos frustrantes, os homens sempre queriam mais dela e nunca queriam dar a ela o que ela precisava: amor, segurança, confiança. Embora fosse extremamente bela, era na mesma proporção insegura, fora vítima da própria beleza desde muito jovem, seu passado era uma cicatriz sempre aberta, um eco que a puxava pra baixo sempre. Caio fora o único com quem se abriu e ele pareceu suportar bem o baque e não só absorver sua dor para si, como querer carregá-la por ela. Por mais que se sentisse acalentada, protegida e amada ao seu lado, não era justo com ele. Ela não se sentia digna de um sentimento tão nobre e puro e tinha medo se sobreviveria se um dia perdesse aquilo no qual se agarrara.
Parecia errado, parecia pecado se envolver com alguém tão jovem ele na escola e ela ingressando na faculdade. Embora a maturidade dele fosse muito além da expectativa, ele era bem mais alto e desenvolvido fisicamente, tinha só 15 anos. Era lindo, cheio de sonhos e esperanças acreditava em Deus, tocava e cantava pra ela. Quase a convencera de que era possível ser feliz naquele lugar, com seus carinhos e seus beijos e aquele abraço confortável. Abraçou forte o travesseiro tentando afastar a lembrança que o perdera e por mais que o quisesse de volta se passaram 4 anos. Ele poderia ter mudado, certamente deixado de amá-la. Lembrou-se dele envolvendo Dora nos braços, a forma protetora que ele o fez, ele a amparara com tanta ternura e cuidado.
- Ai, Luisa, pelo amor de Deus! Seja racional, ele não vai voltar pra você de braços abertos e sorriso no rosto. - ela parou e se lembrou dele dizendo que a amava e falou para si no quarto vazio - Ele me amou a vida inteira e isso deve contar pra alguma coisa. Já respeitei demais o espaço dele. - decidiu-se.
Ela foi pra agência de modelos onde trabalhava como produtora de moda selecionavas modelos new face para clientes novos. Todo dia vinha meninas desengonçadas jurando que sabiam fotografar alguma coisa, com 200 gramas acima do peso permitido e ela era a vilã da história a destruir os sonhos delas. Sinceramente odiava essa parte do trabalho. Pra ela não tinha sido fácil encontrar trabalho, ela era linda desde sempre chamava muita atenção por onde passava, os maquiadores costumavam se espantar com sua pele perfeita sem manchas os olhos bem vivos azuis e seu bônus que era a covinha que emoldurava seu sorriso perfeito a deixando com um ar de menina. Contudo a sua voz poderosa meio rouca lhe davam a autoridade que precisava quando necessário. Decidiu deixar o serviço com Thaís a segunda produtora e foi atrás de Caio, descobrira em menos de 5 minutos onde ele trabalhava e neste horário devia estar no almoço e então foi até a Luteria. Checou seu visual e estava perfeita, óculos Dior, jeans, botas marrons, uma blusa verde esmeralda e os longos e repicados loiros cabelos soltos.
Ao entrar no lugar conheceu um senhor extremamente simpático com quem fez amizade imediatamente e relembrou seus momentos ao piano nos fundos da loja e riam muito das histórias que tinham em comum sobre música, ela ouviu a porta da frente abrir e seu coração deu um salto, continuou a dedilhar. 
Caio entrou ouvindo que alguém estava ao piano, só que de onde estava só poderia avistar Rafael, pois o armário que estava na frente dividia a luteria e escondia a parte de trás onde estava o piano velho e formava aquele cantinho da música e da paz, só deles. Ele veio reclamando brincando com o amigo.
- Brincadeira hein, seu velho safado eu saio por cinco minutos pra buscar seu almoço e já coloca outro em meu lugar. Quem é que está aí… Luisa. - ele perdeu o fôlego por uns segundos, tinha se dado ao luxo de esquecer a conversa pendente com ela devido a tantos acontecimentos com Dora, a mudança e tudo o mais. Ao ver o rosto dela ali tão perto dele novamente, foi um sobressalto. Linda era o que resumia a palavra presa em sua garganta.
- Caio, meu rapaz, eu queria ter a sua idade e estar sempre cercado dessas belas mulheres e essa daqui também é talentosa. - falou seu Rafael se aproximando de Caio e notando a tensão existente ali.
- Eu sei, seu Rafael, ela me ensinou muitas coisas. - disse sem tirar os olhos dela, que parara de tocar e o olhava tentando encontrar respostas naqueles verdes olhos tranquilos que lhe davam calma.
- Bom, me dá aqui meu almoço, vou comer lá em cima enquanto vocês conversam. Luisa, volte sempre que quiser, viu? Você é minha convidada.
- Obrigada seu Rafael. - o homem subiu com a refeição e Caio ergueu as sombracelhas pra ela e sorriu timidamente e se desconjurando por dentro por deixar evidente que suas defesas baixaram ao vê-la tocar e sorrir.
- Então, acho que teremos enfim aquela conversa. - disse ela decidida.- Sim, o que quer saber? - falou ele sentando-se de frente pra ela de braços cruzados sobre o peito largo.Ele estava na defensiva, ela seria cautelosa.- Tudo. - sorriu. - Faz tempo que não te vejo Caio. Me conta o que tem feito? Como está Ramos? E o que faz por aqui? - ela o viu relaxar, não iria direto ao assunto.- Ah… tanta coisa. Estou trabalhando aqui, como já viu e recentemente fui expulso do meu apartamento pela minha prima recém-casada e agora mãe de uma menininha linda. Estou dividindo apartamento com meu mais novo amigo, também músico, você o viu outro dia.- Sim. E aquela linda menina, Dora, não é? Estava muito mal naquele dia, ela melhorou?- Sim, ela está melhor. Está melhorando, não é fácil perder quem se ama por tanto tempo. - os olhos se cruzaram e o assunto também, ambos sabiam que não era mais Dora o foco do assunto. - Mas vida que segue pra todo mundo e Deus ajuda a quem se dispõe em suas mãos. Ele tem dado forças a ela.- Com a sua ajuda então, imagino que ela não estaria em melhores mãos.- O que quer de verdade Luisa? - perguntou ele finalmente.
Ela se levantou e se abaixou ao lado dele o olhando nos olhos com as mãos em seus joelhos.
- Sei que não posso ter você de volta como meu, mas me permite fazer parte da sua vida. Pelo menos um pouco? Eu te fiz tão mal assim que não possa ser perdoada?
- Eu te perdoei há muito tempo e não te odeio de modo algum, só não contava de te rever e isso mexe com a cabeça de um cara, não acha? Quero dizer… caramba… Luisa! Não é uma situação fácil. - ele levantou-se pra longe dela, passando a mãos pelos cabelos, tentando jogar pra longe os pensamentos também, aquela aproximação estava vencendo sua resistência. Ela não o deixou ir muito longe, ele olhou pra ela nos olhos, não dava pra negar que ainda sentia algo e falou:
- Ok. Já descobriu o que queria, não é? Você ainda mexe comigo e aí o que mais você quer?
- Caio não é nada disso. Eu senti sua falta sim. Não é ego, não é vaidade, é só você. - ela se aproximou novamente acariciando o rosto dele. - Só você! E viajei muito eu conheci muita gente, perdi muito, mas foi perder você que eu nunca superei. Eu nunca achei que te merecesse. O que seria de nós dois? Faríamos como seus pais e seus irmãos que se casaram aos 16?
- E achou melhor decidir pelos dois. Cada um sabe de si, não é mesmo? Eu não sei sobre o que você perdeu ou viveu até aqui. Sei que tenho uma nova família aqui em 4 Rios, uma galera que eu amo demais. Você me forçou a ver que essa minha realidade podia não ser suficiente, mas Luisa, eu não desprezo de onde eu vim. Quero tocar o céu, mas sei onde estão plantados meus pés. Você veio pra cá pra mudar de vida e se afastou de mim e de tudo o que tivesse a remota lembrança. Olha pra você e essas roupas de marca, toda importante, nem se parece com aquela que roubava morangos comigo de macacão e botas.
- Mas ainda sou eu, Luisa Machado, eu não te esqueci, não pude. 
- Pode sim e eu vim pra cá, pra me encontrar, não pra te encontrar, pra fugir disso. - falou ele a segurando firme pelos pulsos. - Dessa coisa toda de paixão irracional. Eu quero paz Luisa e isso você não me dá. Eu quero Deus me guiando por todo lugar e decisão. Eu não quero mais ficar confuso. Tenho 19 anos, sim, posso não saber tão bem assim o que eu quero, mas sei o que não quero.
- Você ainda é um menino de Deus, não é? - falou ela se afastando evitando que ele visse o quanto a magoara com aquelas palavras, era justo ela merecia.
- Sou, por sua definição menino também. A idade sempre importou não é mesmo?
- Não mais. Eu sempre amei isso em você, mesmo jovem decidido, essa devoção toda que eu perdi com os anos. Minha vida virou um caos desde que sai de Ramos. Eu consigo o que quero, menos paz. Aqui a gente desconfia de todos os sorrisos supostamente bondosos que só querem me tirar alguma coisa. Quando eu te vi eu senti uma paz enorme, foi como se eu tivesse voltado pra um lugar seguro. Porque eu sempre pude me sentir assim... com você. Invejei aquela garota naquele dia, ela tinha tudo que eu mais precisava, tudo o que eu mais quero. - a essa altura ela deixara fraquejar a voz e uma lágrima rolara involuntariamente no rosto impassível e forte, a surpreendendo, pois raramente era emotiva assim e isso o deixou sem ação.
- Luisa, eu não sei com quem você tem convivido e isso certamente não é saudável. Posso estar errando nisso, mas aceito ser seu amigo, porém só isso.
Ela abriu um sorriso e pediu:
- Me abraça, ora por mim?
- Claro! - ele sorriu e abriu os braços e ela se aninhou nele como há tempos gostaria de fazer, ele a envolveu e lhe acariciou os cabelos.
E entregou ela a Deus em uma oração doce e terna, onde ele desejava que todo o mal que lhe cercava a vida e a alma fossem substituídos pela aceitação do amor que certamente mudaria a vida dela, que lhe daria a paz e conforto certo, longe dos braços humanos, mas perto dos braços mais abertos desse mundo, que se estenderam numa cruz para sempre a receber.
E Luisa chorou nos braços dele pela primeira vez em anos.
Rodrigo entrou na Luteria quase trombando com Luisa que saia de óculos escuros escondendo as lágrimas mas o nariz estava levemente rosado.
- Perdão.
- Tudo bem. - fungou - Tenha um bom dia!
- Você também. - falou ele tentado a perguntar o que houve, mas ela parecia ter muita pressa em sair dali.
Ele encontrou Caio sentado ao piano tocando Luisa de Tom Jobim.
"Escuta agora a canção que eu fizPra te esquecer LuizaEu sou apenas um pobre amadorApaixonadoUm aprendiz do teu amorAcorda amorQue eu sei que embaixo desta neve mora um coração"
- Caio? Tá tudo bem?
- Não, cara to precisando ir pra igreja, to precisando de Jesus.
- Po, cara eu to falando sério.
- Eu também.
- Pera aí, aquela que eu vi sair?
- Era a Luisa, eu quase… Vamos falar de coisa boa ou da parte que eu fico boiando na história. Você e Mel o que é que tá rolando, porque eu não caio na história da Dora.
- Acho que to apaixonado. - confessou Rodrigo, baixando a cabeça e levantando o olhar pra ver a reação do amigo.
- Ah é? Tu acha? E ela? Ai meu Deus! Gente, o que vocês tem o que na cabeça! Olha só, você vem de uma história mega complicada, ela… enfim, tem alguma coisa ali também. Vocês tem certeza do que estão fazendo?
- A gente não está fazendo nada, tá tudo uma loucura ainda. Ela tem lá suas reservas eu tenho as minhas, mas já entreguei os pontos. E vem cá, também não estou te entendendo Caio, primeiro a Dora agora essa Luisa. O que é que tu quer?
- Po Rodrigo, num mete a Dora nesse papo não, cara. Ela acabou de perder a mãe, eu estou tentando dar apoio a ela, o pai dela é uma besta! - ele respirou fundo pra não se irritar ao se lembrar do descaso do homem com a menina. - Eu jamais me aproveitaria dessa situação e a Luisa é uma página ainda não virada na minha vida, embora eu achasse que fosse livro fechado, não é.
- Ela ainda mexe contigo?
- Mais do que eu gostaria.
- E porque você chamou a Dora pra sair?
- Mas essa mulherada é fofoqueira, hein?
- Desculpa eu ouvi a conversa delas quando passei no corredor. - confessou Rodrigo meio sem jeito.
- Coisa horrorosa, num esperava isso de você.
- Palhaço! É por essas e outras que ela se irrita contigo, não leva nada a sério. E então, você sabe o que sente por ela ou não?
- Eu não quero namorar ninguém, nem magoar ninguém. Preciso fechar bem os ciclos pra começar novos e a Dora…- suspirou sem perceber. - Ela um anjo, resistente sabe, mas de uma doçura encantadora. Seria um tapado não notá-la ou quere-la, mas não é hora, nem pra ela, nem pra mim.
- Se é o que você diz.
….

Caio ficou pensando no que Rodrigo dissera, ele estava se envolvendo com Dora, como amigo ele sempre estaria ali pra ela quando e como ela precisasse assim como pra Mel e Rodrigo. Não, não era exatamente da mesma forma, mas teria que ser. Com Luisa voltando precisando dele e ele sem saber direito se a ajudava ou se rendia ao seu charme, não era prudente oferecer esse terreno tão insólito a Dora. Dora… era sempre tão doce em seu pensamento que quase se esquecera de quão ácido começara aquela relação, ela toda atrevida com seu nariz empinado. Ele adoraria afastar todos os problemas, simplesmente não pensar neles como se por mágica elas pudessem simplesmente, sem nenhum esforço desaparecer. Ele teve uma idéia mudaria de planos quanto ao jantar, daria certo.
Caio fora a cafeteria falar com Mel, ele estava sorrindo e todo empolgado.
- Vai ser neste sábado, ela não pode saber onde é. 
- Mas Caio como assim eu vou ter que enganar a minha amiga é isso mesmo?
- Não, Melody, só deixa ela preparada e confortável pra passar um dia com a Carol. Só que a Carol não vai e sim eu.
- Mas você não convidou ela pra jantar.
- É, convidei só que o Rodrigo me fez perceber que essa onda estava muito romântico e não seria legal ela se envolver com alguém logo agora que perdeu a mãe.
- O Rodrigo falou isso? Ele é um entendido mesmo de mulher, né? - debochou Mel.
- Não fui eu, eu sou o desentendido e estou preferindo ficar assim. Tudo o que eu quero é colocar um sorriso solto no rosto daquela menina. Porque tem que ser romance?
- Se é o que você diz. Vou fazer o que me pediu. - ela avistou o próximo cliente a sua espera e já ia despachar Caio quando lhe sussurrou. - Só não fica muito tempo mentindo pra si mesmo, ok?
- Como é? - perguntou ele que ouviu só parte do que ela disse.
- Nada não! Vou ali, tem uma cliente me esperando.


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