23 de julho de 2013

Capítulo 19 - Tortuosas Lembranças

O tempo estava virando numa rapidez incontrolável. Vinha tempestade por aí, uma até pior do que a estava acontecendo dentro de si. A vida parecia tão boa, novos amigos, um novo emprego que adorava. Deus e ele de mãos dadas, e ela de repente surge. Ele queria de verdade esquecer tudo, mas emergiu em sua memória cada agri-doce lembrança. De todas as vezes que brincaram juntos, dela lhe dizendo que quando ele crescesse ia namorar com ele, e ele acreditando. Lembrara do som da gargalhada dela quando ele espirrava-lhe água no quintal dos fundos do jardim da igreja e de seus gritinhos histéricos. E daquele fim de semana em que ele acreditara que poderia voar. Quando finalmente a beijou e foi correspondido, em que adormeceram um nos braços do outro na rede da varanda de seu tio vendo o sol se pôr. Naquele fim de semana em que ela perdera o medo de ser dele, em que ousou caminhar junto de mãos dadas, cavalgar, experimentar frutos arrancados do pé. Vestida de macacão sujo de morangos roubados da fazenda vizinha, os dois desgrenhados tomando banho na caixoeira pra tirar a lama dos cabelos dourados de ambos. Tudo era perfeito, tudo era lindo e tudo era muito pouco pra ela ficar, pra ela querer, pra ela levar a sério o que dizia seu coração.
Ele também lembrou que viu verdade em seus olhos azuis quando sem piscar disse que o amava:
 - Caio isso parece tão louco e improvável, meu menino, meu…ahhh não dá pra negar que eu te amo! Eu nunca me senti assim, nunca me amaram assim. - ela falou com a voz grave embargada pelas lágrimas que ameaçavam vir no rosto forte e impedernido daquela menina que nunca chorava, desviou os olhos e tentou conter-se.
Ele a trouxe pra si e falou:
- Te amo Luiza, e eu sei que sou um moleque, mas aposta em mim. Eu vou ser tudo o que você precisar. Eu já sou teu!
Ela o beijou ternamente ao invés de responder e o abraçou mais forte ainda como se nunca mais fosse voltar a vê-lo. Ele achou que era um sim, ela sabia que era um adeus.
Na manhã seguinte ele procurara ela por toda a fazenda e só encontrara um bilhete.
"Eu tive que partir. Não importa nada do que eu sinta Caio, minha vida não é aqui. Nem mesmo com você. Luisa."
Ele havia sofrido o pão que o diabo amassou com o rabo, ficou revoltado, virou mulherengo, deixou sua família extremamente preocupada com o menino sensato que de repente se transformara em um cara que não valorizava os sentimentos de ninguém. Não levava nada a sério, nunca. Foi quando caiu em si aos dezessete anos e Deus o chamou a responsabilidade de ser um homem melhor e não uma vítima gerando outras, que ele devia superar o sofrimento com honra e não desonra, que deveria retribuir o desamor com amor. Que amar ao próximo ainda era mandamento e que ele precisava disso pra ser feliz. Que há em cada ser humano um potencial incrível pra amar e compartilhar amor é viver. Ele aprendeu, ele creu e se redimiu, entregou suas dores por Luisa pra Deus e passou a viver de um modo mais justo e digno, pediu perdão a quem magoou e nem sempre foi correspondido com um "eu aceito", mas tentou. E viu que a vida ali estava pequena ele precisava abrir as asas e conhecer novas pessoas. Decidiu reescrever a história. E bem agora no melhor do capítulo ela ressurge. Porque a lembrança ainda dói? 
- Arrrrghhhh!!!! Que droga! Preciso sair daqui! - berrou Caio pro apartamento vazio, pegou o elevador e desceu, foi até o prédio onde Rodrigo morava e pensou em chamar ele pra um bate papo, mas não queria que ele lhe fizesse perguntas sobre ela. Ele estava com a cabeça cheia sobre Mel, certamente. Então foi andar pelas ruas do bairro, cobriu-se com o capuz e seguiu a passos firmes em direção nenhuma pra qualquer lugar, como se pudesse fugir dos pensamentos que o pressionavam. Começou a orar, queria paz, mas se lembrava dela e não conseguia, parecia que cada lembrança aumentava potencialmente aquilo que há tanto tempo realmente não o perturbava mais. Queria pensar em outra coisa, qualquer coisa e foi aí que surgiu uma outra lembrança uma recente dessa vez, de um sorriso doce e tímido, e ele sentiu paz e calma. "Não, Caio. Não dá pra incluir mais gente na tua confusão se resolve primeiro." E voltou pra casa, deu de cara com sua prima sentada no sofá com um homem e um bebê, com o canto do olho viu as malas perto do sofá.
- Priscila?
- É Rebeca, eu detesto essa cafonice de dois nomes.
- Ok! Rebeca, o que houve? Tudo bem? Você se casou?
- Sim, eu não queria que a familia toda soubesse, sabe como eles são e… deixa eu te apresentar meu marido, Caio. Este é Robson e essa é a nossa pequena filha Amanda.
- Ela é linda. Parabéns, gente! - falou ela genuinamente feliz depois de um dia tenso. - E então, quanto tempo vão ficar? Vocês podem ficar no quarto eu fico aqui na sala. Vem, vou instalar vocês. Estão com fome? Posso preparar alguma coisa. Vai ser bom ter mais gente em casa por uns dias.
- Errrr Caio. É que não temos onde morar por enquanto e vou precisar recuperar meu apartamento. Robson… ficou sem o emprego quando viajamos e agora preciso ter um espaço pra gente. Sabe, eu sei que foi horrível isso da minha parte, mas o lugar aqui é muito pequeno, apartamento de solteiro.
- Ok, Priscila eu entendi. Quero dizer Rebeca. De qualquer forma acomodo vocês no quarto e saio pela manhã, tudo bem pra você.
- Claro, nem precisava sair correndo.
- Eu vou ficar bem. Eu vou ficar ótimo. Muito mais fácil um se virar do que três. E essa pequena tem que ter o cantinho dela.
A tempestade anunciada realmente caiu ainda não com água, mas estava difícil ver uma luz no fim do túnel. Primeiro Luisa, depois Priscila ou melhor Rebeca que faz o favor de o colocar pra fora. Não tinha a menor idéia de pra onde ir. Arrumou sua mochila pra partir assim que amanhecesse, colocou alguns biscoitos e frutas nela porque fizera compras recentemente e ficar na rua com fome não estava em seus planos. Sim, era orgulhoso o suficiente pra não ficar de entojo no apartamento da prima quando ela estava iniciando uma família e deixando claro pra ele que não o incluía. Ele tentou dormir no sofá, mas o sono não vinha. Pra onde ele iria? Ele viu o sol raiar da janela, com uma xícara de café nas mãos, deixara a cozinha limpa e o café pronto um bilhete sobre a mesa e saiu sem pronunciar som. Eles estavam cansados da viagem, ele estava exausto daquela noite mau dormida com intervalos de pesadelos e sonhos com Luisa. Decidiu que procuraria seu Rafael e pediria um adiantamento pra ele se arranjar em uma pensão, mas como faria isso com uma semana de emprego? Ajeitou a correia da mochila e desceu, ficou na portaria ainda tentando decidir o que faria. Quando Rodrigo apareceu e sem pensar duas vezes lhe ofereceu um teto ele teve certeza de que realmente as coisas podiam não ser tão ruins. Dividir apartamento com seu novo amigo e pagar com serviços culinários, era  no mínimo resposta as suas orações. Deus ainda o amparava e se mantinha rente ao seu coração.
Rodrigo o deixara sozinho pra se instalar no apartamento. Ele foi colocando suas coisas num canto e procurando uma forma de ajudar. Passou a tarde se organizando, ligou pra mãe e avisou que não enviasse nenhuma carta para o atual endereço que havia se mudado, para outro anexo. Conversou bastante com D. Lurdes e foi para o trabalho. Sem notícias de Rodrigo e logo percebeu o motivo ele havia esquecido o celular em casa. Colocou no bolso o celular dele afim de passar no escritório e entregar. Ficou ainda mais preocupado porque ele não fora trabalhar.
"Onde você está cara!"
- Ele avisou que iria chegar mais tarde. Não se preocupe.
- Ok, obrigado pela informação viu.
Saiu de lá e voltou ao ateliêr terminar um serviço para seu Rafael, quando seu celular vibrou e ele viu uma mensagem de Carol que dizia : "Minha babá está chorando". "Meu Deus o que será que houve com ela".  Fechou a loja e voltou pra casa agora eram duas preocupações Dora e Rodrigo. Quis subir para ver como ela estava, pois esse horário devia estar esperando os pais de Carol. Ficou parado na portaria quando de repente viu vindo em sua direção sorrindo daquele modo que tantas vezes lhe derretera o coração, Luisa, seu sonho e seu pesadelo. O pior era saber, com certeza, que embora lhe tenha causado dor, ele não a odiava. Será que ainda a amava?
- Oi?
- Oi. O que faz aqui Luisa?
- Precisava te ver. Seu amigo não lhe entregou meu cartão?
- Não. Eu não quero ser rude com você depois de tanto tempo. Só que meu amigo deu um sumiço e estou preocupado. Tudo bem se conversarmos outro dia?
- Você sabe que eu tinha que ir, na mesma proporção que queria ficar. Te ver me deu certeza de que… - ela ergueu a mão e tocou seu rosto a barba estava por fazer, havia cansaço nos olhos verde-mar. - Caio… me perdoa. - ela se aproximou na intenção de beijá-lo ele manteve-se firme em sua posição de não permitir que ela o alcançasse e estava sendo difícil resistir a atração. Até que um toque de celular familiar o despertou daquele visgo e ele avistou Dora há uns dez passos.
- Dora?! - ele viu a cor abandonar o rosto da menina enquanto atendia a rápida ligação que culminou  com ela desabando no chão, ele a alcançou em três passos desesperado e a pegou nos braços.
- Dora o que houve? Pelo amor de Deus, fala comigo.
Ela tremia convulsivamente e chorava muito. Ele a abraçara forte a mantendo perto de si.
- Levanta Dora, vem comigo.
- O que houve com ela? - perguntou Luisa preocupada com a menina.
- Minha… mãe. Ai! Ai meu Deus não!
- Calma, fala com a gente, Dora, não é? O que tem a sua mãe? - falou Luisa com voz maternal.
- Luisa por favor, pode chamar um táxi tenho que levá-la pra casa ou hospital.
- Tudo bem. Tome o celular dela.
- Dora, fala comigo, minha linda pra quem eu ligo? O que houve com a sua mãe.
Eram olhos ternos, e ele a abraçava com eles também, sentiu mais vontade de chorar do que responder e se agarrou a ele e entre soluços disse as palavras que admitindo lhe cortara o coração:
- Ela acaba de falecer.
Ele a apertou mais junto ao peito e beijou ternamente seus cabelos no topo da cabeça. Ele não tinha palavras pra confortá-la seu ombro amigo agora era o que podia oferecer. Ele jamais imaginara que dor absurda sentiria se perdesse sua mãe e isso o fez chorar por ela. Luisa conseguira o táxi, ele foi com Dora e quando Luisa tencionou ir junto ele a parou:
- Muito obrigado por tudo. Eu assumo daqui, mais tarde nos falamos.
- Ok, espero que melhore Dora. Até mais Caio.
foi tudo muito turvo e complicado até ali. Ele não conseguiria falar com Rodrigo onde estava, pois estava com seu celular, mandou mensagem pro celular de Mel e pediu que avisasse na portaria pra onde ele havia ido e que avisassem Rodrigo.
Chegando ao hospital conhecera Lia, que aparentava calma, mas estava desestabilizada e tentava acalmar Dora. Ele assumiu ali junto com os médicos como se daria a liberação do corpo e os tramites com a assistência funerária, vez por outra lhes pediam os documentos necessários e assinaturas. Precisaram dar remédios a Dora que estava evoluindo um estado bem grave de choque emocional. Ele ligou para os pais de Carol e os notificara que ela não trabalharia essa semana. Ele as amparou em todo o momento, a noite caiu por completo e Rodrigo e Mel apareceram, Mel se apressou em ficar ao lado da amiga e Rodrigo foi pra perto de Caio saber dos detalhes.
- Como foi isso?
- O coração dela estava fraco, era diabética e o quadro evoluiu pra um AVC muito grave e sem muitas chances de recuperação. Cara, que dia! Vê-la nesse estado tá acabando comigo. Sendo dopada de duas em duas horas.
- Imagino, você comeu alguma coisa Caio? Você tá com uma cara de que vai cair a qualquer momento. Ela vai precisar ainda muito de você, bem e forte. Vamos a lanchonete aqui em frente trazer comida pra elas, também devem estar famintas.
- Eu não to com fome, cara, preciso ficar perto dela.
- Eu estou falando sério Caio. Você vem comigo ela está bem com a Mel e sua irmã no momento.
- Espera. - ele foi até onde ela estava sentada e se abaixou pra ficar na altura de seus olhos.
- Dora, olha pra mim, anjo. Como você está?
- Como você acha?
- Devastada. - falou desolado olhando para aqueles lindos olhos castanhos e tristonhos.
- Parece que você também e ela nem era seu parente.
Ele pegou as duas mãos dela e a olhou fundo nos olhos.
- É por que está doendo em mim também te ver assim. Eu sei que palavras não mudam a dor, e honestamente você vai senti-la por um bom tempo e depois isso vai se transformando em algo que não vai produzir tantas lágrimas, mas uma saudade gostosa, das lembranças que vocês construíram juntas e vai ser grata por tê-la tido pelo tempo que teve, por ter aprendido a ser quem é por ela ter lhe ensinado. E vai ver nos seus atos os princípios que lhe passou e em seu olhar refletir a imagem da mulher que ela projetou em você. Essa mulher incrível que eu já vejo que você é.
Ela se jogou nos braços dele e ele a envolveu num longo abraço beijando seus cabelos.
- Vai ficar tudo bem, pequena. Eu estou aqui. Vou sempre estar aqui pra você.
Mel e Lia também choravam ao ouvir suas palavras. Caio surpreendera por ser tão maduro pra idade, por cuidar dela daquele jeito, era de se invejar um homem que era tão sólido assim para uma mulher.
- Eu vou buscar algo pra vocês comerem tudo bem?
- Você sempre me alimentando. - riu-se tristemente
- Quero vocês bem alimentadas, ok? - ele a devolveu para os braços de Mel e Lia e se foi com Rodrigo.
…….
Fora uma noite longa, Caio descobrira ali que Dora ficara sozinha no mundo, a casa onde morava com a mãe e a irmã era alugada, o salário dela não dava pra pagar sozinha e a irmã saíra do funeral direto pra casa do pai. Lia dera a Caio o endereço em que estava e também os números de contato com o pai de Dora, pois já sabia que ela não o procuraria.
- Sei o quanto se importa com minha irmã, Caio e lhe agradeço. Ela é cabeça dura e não vai pedir ajuda ao pai, mas precisa dele. Eu virei vê-la mais vezes embora esteja morando longe daqui, não quero abandoná-la.
Dora só tomara uma única decisão não ligaria para seu pai. Mel a abrigou na sua casa por uns tempos até Dora decidir se ligaria ou não. Ela ofereceu que morarem juntas, mas Dora não estava em condições de decidir nada, só dormia, comia, obrigada por Caio e Rodrigo, e chorava durante dois dias inteiros. Eles se revezavam em cuidar dela, Rodrigo era só mimos, Mel lhe escovava os cabelos e ajudava a se reerguer. Carol fora visitá-la no apartamento de Mel e levou flores e um desenho. Porém, na manhã seguinte ao acordar Mel descobrira que Dora havia sumido, sem um bilhete, sem nenhum rastro. Ligou imediatamente pra Caio que chegou num pulo no apartamento de Mel.
- Caio! Ela sumiu!

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