O dia estava perfeito
para uma corrida, esse fora o primeiro pensamento que Melody teve ao
acordar após o jantar que tivera com seus novos amigos.
Sol... Calor... Ar
puro... Suor... Exaustão... Esses eram os ingredientes perfeitos
para manter a mente completamente ocupada, bloquear qualquer tipo de
pensamento perturbador e inconveniente, além de uma boa dose de uma
música ensurdecedora cuja letra era praticamente impossível de
identificar. Os sons dos instrumentos faziam ecos na sua cabeça,
como se estivessem reivindicando, brigando uns com os outros por um
espaço restrito: a batida da bateria assemelhava-se a uma grande
explosão atômica, enquanto o solo de guitarra sibilava gritos
incoerentes, tudo isso combinado à voz do cantor que era uma coisa a
parte: rouca, petrificada e completamente desconexa. Esse não era o
seu estilo de música preferido, não habitualmente. Entretanto,
funcionava quando ela queria manter os pensamentos longe. Sempre que
queria manter a cabeça vazia, Melody costumava pegar o seu iPod,
colocar os fones de ouvido e aumentar o volume no máximo possível...
E essa era umas dessas vezes.
No dia anterior as coisas
caminharam bem, com uma calmaria extasiante. Depois de um longo dia
de trabalho, ela e Caio foram fazer compras, e a cada passo que dava,
e a cada vez que ele sorriu para ela, Melody sentia-se cada vez mais
incompleta; ela estava com saudades de casa, da sua avó, dos seus
irmãos... Se no começo ela não sabia quanto tempo ficaria, agora
não tinha mais tanta certeza de quanto tempo aguentaria ficar longe
deles. Esforçou-se ao máximo para que a sua tristeza não
transparecesse durante o “Jantar da Paz”, e ela se saiu muito
bem. Na verdade ela sempre foi ótima em esconder quando estava
sentindo-se triste, e agora, nesse momento, enquanto corria e sentia
o mundo a sua volta desaparecer, a única coisa em que tentava não
pensar era na conversa que tivera com Juliano, seu irmão super
protetor, que havia ligado para ela um pouco antes de Melody se
despedir dos seus novos amigos.
− Até que enfim!
Será que eu posso saber por que nunca consigo falar com você? Já
estava quase pegando o próximo avião para ir até aí. Sabe o que é
ficar sem noticias sua? Você vai falar alguma coisa ou não?
– ele parecia bem zangado. Pudera, ela simplesmente se desligou de
tudo e provocou essa reação por parte dele.
Melody respirou fundo.
− Desculpe-me, Juliano.
– falou com a voz embargada. – Meu celular deve estar com algum
problema. – mentiu, sentindo-se mal com isso.
− Nunca deixe isso
acontecer novamente. – Juliano pediu em tom
autoritário.
− Ok! – respondeu com
a voz fraca. Caminhou até o outro lado da sala, e olhando fixamente
para a janela, suspirou. Alguns minutos se passaram, do outro lado da
linha e seu irmão pereceu perceber que havia algo de errado. É
claro que perceberia, ele era mestre em saber quando ela não estava
bem.
− O que aconteceu?
– perguntou por fim. Os olhos de Mel ficaram marejados.
− Nada! – garantiu.
− Sua voz está
diferente. – ele afirmou. –
Tem alguma coisa acontecendo com você, eu posso sentir. –
ouviu quando ele respirou fundo e logo em seguida a questionou. – O
que houve Mel? E nem tente me convencer de que não está acontecendo
nada, eu a conheço muito bem. – avisou
ficando um pouco mais nervoso do que antes. Melody ponderou por um
momento qual seria a melhor forma de começar a contar às coisas que
estavam acontecendo. E de todas elas, os telefonemas insistentes do
ex era o que mais a preocupava. Juliano nunca fora muito a favor do
relacionamento deles, e quando tudo terminou, da forma que terminou,
ele ficou ao lado dela sem questionar o porquê de nada. No entanto,
achou melhor começar com o mais leve dos acontecimentos, pelo menos
era o que pensava.
− Acho que voltei a ser
anêmica. – falou com naturalidade, como se estivesse fazendo um
rápido comentário sobre a previsão do tempo. – Não é ridículo?
Desmaiei e tudo. – contou tentando fazer piada.
− O QUÊ? –
Juliano gritou ao telefone. Ele sempre foi meio exagerado, ela pensou
fechando os olhos. – Melody! –
exclamou impaciente após alguns segundos, como se houvesse acabado
de recuperar a voz. – Como assim desmaiou?
Céus, eu sou o pior irmão que existe! Onde é que eu estava com a
cabeça quando concordei com essa sua viagem?
− Juliano! Quer ficar
calmo, por favor? – pediu.
− Como você está?
– perguntou impaciente. – Eu
quero a verdade.
− Agora estou bem. Já
faz algum tempo que aconteceu, e na hora... – parou para escolher
bem as palavras. – humm... alguém me ajudou.
− Alguém
quem? – indagou enfático.
− Isso não vem ao caso
agora. – Mel mordeu o lábio e resolveu mudar rapidamente de
assunto e do foco das perguntas. – Como estão às coisas por aí?
O ouviu respira
profundamente.
− Tudo bem, de certa
forma. O Pedro e a Isabella ainda sentem a sua falta, é claro que
sentem, você nunca se ausentou daqui. –
prosseguiu. – Eles não param de perguntar
onde você está, e por que foi embora. E a Isabella voltou a ter
pesadelos, não conseguimos fazer muita coisa. Você é a única.
– declarou.
− E a nonna? –
perguntou tentando se desfazer do nó que se formara na garganta.
− Está mais calma.
Eu tive uma longa conversa com ela sobre você.
− Como assim?
− Não tive outra
opção, Mel. Tentei juro que tentei, mas não consegui esconder onde
você está. – justificou-se ele. –
Desculpe-me.
− Tudo bem. –
respondeu dando de ombros. Sabia que se ele havia quebrado a promessa
que fizera foi por falta de opção. A matriarca da família Angnel
sabia ser persuasiva quando queria.
− Eh... –
ouviu Juliano pigarrear do outro lado da linha, e se Melody o
estivesse encarando naquele momento poderia vê-lo passar a mão no
cabelo e apertar a nuca, como se estivesse escolhendo as palavras
certas para dar uma má noticia.
− Pode falar de uma
vez, Julian. – o chamou pelo o apelido que lhe dera quando chegou à
Itália. – Eu aguento.
Ele pareceu relaxar um
pouco.
− Ele também
perguntou por você, novamente, pela milésima vez. –
prosseguiu com a voz neutra. – Está um
pouco impossível fingir que não sei o seu paradeiro. Você sabe que
ele tem um radar muito eficiente para detectar mentiras, e, além
disso, ele sabe que sempre fomos cúmplices um do outro.
− Eu não quero falar
com ele, pelo menos, por enquanto. – suspirou olhando as luzes da
cidade pela janela e sentindo o vento noturno bater no seu rosto.
− Não pode fugir
disso para sempre. – ele afirmou.
− Eu sinto muito
Julian, não deveria pedir para você mentir para ele assim, afinal
ele é o... – Ele a interrompeu rapidamente. Agora um pouco
impaciente.
− Mel, ele é o seu
pai, nosso pai. – respirou fundo como se
estivesse tentando não quebrar alguma coisa.
– Mais cedo ou mais tarde vocês terão que conversar.
− Eu sei. – sentiu
lágrimas escorrerem pelo o seu rosto.
− Eu gostaria de
saber como posso ajudá-la, realmente.
− Continue afirmando
que não sabe nada sobre mim. Já é o suficiente.
− Ótimo! Agora me
fala o que realmente está incomodando você.
– exigiu.
− Humm... Como assim?
Não está acontecendo nada.
− Melody Angnel
Guimarães, eu te conheço perfeitamente bem e sei quando está
escondendo algo de mim. Fala de uma vez.
− Certo. – limpou as
lágrimas rapidamente e resolveu contar a verdade. – É o Victor,
ele tem ligado bastante... ultimamente. – prendeu a respiração
esperando a reação do irmão.
− O que ele quer?
Será que já não te fez sofrer o suficiente?
– indagou numa misturas de sentimentos negativos.
− Eu não sei o que ele
pretende com as ligações. – declarou ela afirmativamente. – Eu
não atendi a nenhuma delas.
− Não se preocupe.
Ele não vai voltar a incomodá-la novamente, eu prometo à você.
− Como assim? O que
você está planejando? – perguntou apavorada. Não deveria ter
contado nada. – Juliano...
− Fique tranquila,
Melody. Só vou fazer o que qualquer irmão descente faria no meu
lugar.
− Tome cuidado. –
pediu com a voz fraca pensando na confusão em que seu irmão poderia
estar se metendo por sua causa.
− Se cuida você,
Mel. – ele ordenou. – Eu
a amo, você sabe disso, certo? Não suportaria se alguma coisa ruim
acontecesse à você. Vê-la sofrendo sem saber o real motivo já é
bem complicado. – esclareceu com a voz um
pouco mais suave, no entanto, a preocupação ainda se fazia
presente.
− Eu também amo você,
Juliano. – sorriu ao falar. – Eu vou ficar bem. – prometeu.
− Espero que sim, ou
vou ser obrigado a ter que cruzar o Atlântico para me certificar
disso e ver com os meus próprios olhos. –
dessa vez Mel pode ouvir a risada sonora dele... Como estava com
saudade desse som, pensou com tristeza.
− Sem exageros. –
revirou os olhos, e se despediu. – Até logo.
− Até logo, e
cuide-se!
A última coisa que ouviu
da ligação foram apenas os ecos fracos dos “tuns”
repetidamente. Depois
de olhar por um longo momento para o céu estrelado, foi para a cama
tentar dormir um pouco. Já passava das duas da manhã quando
finalmente conseguiu.
Quando acordou pela manhã
foi até o seu laptop e escreveu dois e-mails para os seus dois
irmãos mais novos, e no da sua irmãzinha anexou um arquivo de áudio
com a música que costumava cantar para espantar os seus pesadelos,
até que ela conseguisse dormir profundamente e com tranquilidade.
Depois disso decidiu aproveitar para se exercitar um pouco, tomou um
banho e vestiu roupas leves de ginástica, e saiu para a rua. Os
pensamentos a perturbavam.
O relacionamento entre
ela e o pai nunca fora o que se poderia chamar de tranquila. Eles
eram diferentes, como óleo e água, não possuíam um meio termo que
pudessem chamar de compatíveis. Tinham sempre algo em que não
concordavam, mas dessa vez ele havia pegado pesado. Então, numa
decisão repentina, Melody arrumou suas coisas e saiu de casa, tendo
como desculpa íntima de que precisava de um tempo só para ela.
Talvez assim parasse de viver os sonhos de outra pessoa. Talvez essa
fosse sua chance de se encontra, e descobrir de uma vez por todas,
quais eram os seus
sonhos.
Mas nunca imaginou que
viver sozinha fosse tão difícil. Ela sabia que não podia ficar sem
se alimentar direito, e se não fosse por Rodrigo ela não sabia o
que poderia ter acontecido...
De repente foi
surpreendida pela imagem deles dois parados, olhando-se fixamente...
O que sentiu naquela ocasião foi algo indescritível. Fora um
momento ímpar, seus olhos pareciam estar dialogando um com o outro,
trocando segredos profundos. Naquele instante, Melody sentiu uma
forte ligação entre os dois, uma ligação que deveria ser cortada
imediatamente. De alguma forma seu olhar a perturbava, e Mel tinha
medo de encontrar uma explicação coerente para o que sentia quando
Rodrigo a olhava. Pois isso implicaria riscos que ela não estava
disposta a correr novamente, mas ao mesmo tempo em que sua presença
a deixava tensa, também havia algo de extremamente natural, novo.
Agitou a cabeça rapidamente expulsando tais pensamentos. Foi aí que
decidira parti para o plano da música alta e incompreensível.
Melody não tinha certeza
de há quanto tempo estava correndo. Sentia-se cansada, com a
respiração descompassada e a garganta seca. Olhou em volta
rapidamente procurando por algum quiosque. Esse degaste físico
certamente não era nada recomendado para alguém que não é tão fã
de exercícios, nem para alguém que desmaiara há apenas alguns dias
por falta de uma alimentação saudável.
Seguiu em frente e pegou
o iPod para trocar de música já que estava sentindo-se bem mais
tranquila, no entanto, neste exato momento, foi surpreendida por um
frio desconfortável que percorreu por sua espinha, ela estremeceu.
Logo em seguida, percebeu que havia alguma coisa errada. Era como se
seu corpo tentasse avisá-la sobre algo. Ignorou a sensação e
prosseguiu com a corrida, ao atravessar a ciclovia, sentiu novamente
que algo não estava certo, mesmo assim não diminuiu o passo. O que
fora um erro, pois no momento seguinte várias coisas aconteceram ao
mesmo tempo. Olhou para o seu lado esquerdo e viu que alguma coisa
estava seguindo em sua direção, e antes mesmo que pudesse fazer
alguma coisa, tudo começou a andar rápido demais.
A próxima coisa que viu,
ou melhor, sentiu, foi o seu corpo sendo arremessado contra o chão
frio. Melody tentou se mexer, mas sentiu o seu corpo inteiro
tremendo, além do seu coração estar tão acelerado que parecia
estar prestes a explodir. Não percebera que havia prendido a
respiração, nem que estava de olhos fechados, até respirar e
sentir os pulmões agradecendo, e ao abrir os olhos, aos poucos,
percebeu que havia alguém sobre ela. Pouco antes de se dar conta do
que havia acontecido, viu que dois olhos azuis a fitavam com
intensidade e ansiedade. Lentamente os zumbidos que estavam tomando
conta dos seus ouvidos – talvez devido à música alto que estava
ouvido, ou ao susto. – foram se silenciando a sua volta. Ergueu os
olhos e viu uma pequena movimentação de pessoas que vinham na
direção onde ela estava. Olhou novamente para os tais olhos azuis e
teve quase certeza de que os conheciam de algum lugar, só não
conseguia se lembrar de onde.
Então, ainda sentindo-se
atordoada e confusa, Melody ouviu o seu nome vindo de algum lugar
distante, numa voz que também lhe parecera bastante familiar. Piscou
os olhos rapidamente tentando encontrar o dono da voz, foi aí que se
deu conta de que a voz não vinha de longe, mas, apenas alguns
centímetros a separava dele. Melody encarou os olhos novamente, em
seguida reconheceu-os, e a cada detalhe que compunha o seu rosto.
− Rodrigo?! –
sussurrou em surpresa.
− Mel? Você está bem?
– por um segundo, ela ficou em silêncio sem saber o que responder.
Por que ele estava perguntando se ela estava bem se fora ele quem
surgiu do nada a jogando no chão? E por que ele fez isso? Tentou
encontrar uma solução, mas seus pensamentos estavam embaralhados.
Foi quando outra voz surgiu em meio a pequena multidão que havia se
formado.
− Mel? Você bateu a
cabeça? Está sentindo alguma coisa? Está doendo em algum lugar? –
Caio perguntou assustando. – Quantos dedos têm aqui? – ela achou
engraçada a forma como ele estava falando, mas não riu,
principalmente porque ele parecia muito sério. Então tentando
responder uma de suas perguntas mexeu um pouco o corpo para saber se
havia se machucado ou não. Mas Rodrigo permanecia paralisado ainda
sobre o corpo dela, ao perceber isso ele se afastou soltando um
rápido “Desculpe!”
murmurando. Ela estava sentindo dor, ou algo parecido com isso, em
algum lugar, só não sabia muito bem precisar onde, então ficou em
silêncio.
− Olha, me desculpe. –
outra pessoa surgiu a sua frente. – Eu... Eu não sei o que
aconteceu. A bicicleta ficou sem freio e acabei perdendo o
controle... – a outra pessoa que ela percebeu ser um homem começou
a se explicar. Mas ela não estava entendendo nada. − E você
surgiu do nada. Sinto muito, eu não queria machucá-la.
Balançou a cabeça
tentando se livrar da confusão.
− Vocês estão me
deixando tonta. Eu estou bem. – reclamou e tentou se levantar, mas
fora impedida por Rodrigo que a segurou pelos ombros de maneira
gentil.
− Eu tentei avisá-la,
mas você não me ouviu... – ele olhou para o chão e cerrou os
lábios. – Agora sei por que. – disse. Mel seguiu o seu olhar e
seus olhos pararam no seu iPod que continuava tocando a mesma música
ensurdecedora, e os fones estavam desconectados jogados em algum
lugar. Era de lá que vinham os zumbidos, concluiu e corou ao ver que
ele a observa. Depois de todo esse tempo, só agora notou de verdade
no que havia se metido. Voltou alguns minutos no tempo e se lembrou
que havia visto algo vindo em sua direção; uma bicicleta
descontrolada. E no instante seguinte o seu corpo foi jogado no chão;
Rodrigo a salvara de ser atropelada.
Suspirou silenciosamente
o olhando. Meu her... Não ouse terminar a
frase, ouviu uma voz gritar dentro da sua
cabeça.
− Acho que esse não é
bem o seu tipo de música. – afirmou. – Tá planejando assassinar
alguém? Ou cometer suicídio? – indagou com curiosidade.
− Nenhum dos dois, só
estava tentando derreter o meu cérebro mesmo. – afirmou tentando
mais uma vez se levantar do chão, mas foi impedida novamente por
ele.
− Não se mexa, por
enquanto. – ordenou. Nesse momento seus olhares se cruzaram, e ela
se sentiu inesperadamente segura.
− Eu realmente sinto
muito. – o outro homem falou novamente, quebrando o contato visual
dos dois. – Creio que eu deveria levá-la para o hospital.
− Não! – exclamou
rapidamente, na verdade quase gritou, atraindo os olhares de ambos.
− Mas... Eu sinto...
− Certo, já
entendemos, você se sente péssimo. – Caio interrompe-o no meio da
frase. Prosseguiu em tom sério, e um pouco ameaçador. – Pode
deixá-la por nossa conta agora, podemos cuidar dela. Você já fez o
bastante. – disse com certa rispidez no seu tom de voz.
Mel piscou rapidamente os
olhos, procurando entender o comportamento exagerado de Caio, ele
parecia sério demais, impaciente demais... Algo que não combinava
muito com ele.
− Não se preocupe, eu
estou bem. – direcionou-se ao o homem a sua frente, tentou mais uma
vez se erguer do chão, dessa vez Rodrigo não a impediu, pelo
contrário, segurou-a fortemente pela cintura temendo que ela caísse.
– É sério, a culpa foi minha por atravessar a rua sem prestar
atenção quando deveria. – sorriu para tentar tranquilizá-lo. –
Além disso, sem sangue, sem crime, certo? – disse erguendo as mãos
em sua direção, onde não havia sequer um arranhão.
− Eu sinto muito mesmo.
– o homem falou novamente em tom suave, e sorriu. Seus olhos
estavam fixos em Melody, e ele... piscou para ela? Não. Talvez ela
estivesse vendo coisas, concluiu. Ele a olhou por um momento, e se
retirou. Logo em seguida o pequeno grupo de pessoas dispersou-se.
− Ele só sabe dizer
isso?! – dessa vez foi a vez de Rodrigo demostrar sua impaciência
e desagrado em relação ao rapaz que quase a atropelou.
− Vocês dois querem
parar de serem tão... rudes. – Melody reclamou. Ao tentar se
afastar um pouco de Rodrigo, pisou firmemente no chão e se
arrependeu logo em seguida. – Ai. – gemeu baixinho. Agora ela
sabia qual a origem da dor que estava sentindo antes. Ela havia
machucado o tornozelo. Quando levantou o pé para ver o estrago se
desequilibrou com medo de forçar o tornozelo. – Argh... Droga!
− Te peguei! –
Rodrigo falou envolvendo seus braços novamente na cintura dela.
− Olha só o quê uma
bicicleta desgovernada é capaz de fazer. Já imaginou só se fosse
uma moto? – perguntou em tom acusatório.
− Hã? – Caio
pestanejou sem entender.
− Deixa pra lá. Com
certeza ela bateu com a cabeça quando caiu. – Rodrigo falou
afirmativamente.
− Não bati coisa
nenhuma. – rebateu a garota. – Além do mais, eu não caí, fui
arremessada ao chão. – esclareceu sem desviar os olhos dos dele. –
Você não tinha nada que se jogar em cima de mim daquela maneira.
− Claro, ele deveria
ter deixado o “cara sem culpa nenhuma” atropelar você, e
deixá-lo posar de herói para que pudesse ter alguma chance contigo.
– Caio falou em tom irônico, com um sorriso, mas não havia humor
algum em seus olhos.
− Hein? – ela
perguntou com a testa franzida.
− Ele estava
descaradamente dando em cima de você. – Rodrigo objetivou.
Melody estava chocada.
− Não sejam ridículos.
– rebateu ela.
− Ou você é muito
ingênua, ou é cega. – Caio falou cruzando os braços.
− Já que ela não viu
a bicicleta, eu aposto na segunda opção. – Rodrigo afirmou.
− Eu vou embora! –
exclamou ela se libertando dos braços fortes de Rodrigo. Não
precisava ficar ali ouvindo eles dois falarem coisas tão absurdas. O
rapaz só fora gentil em se desculpar, quando na realidade não tinha
absolutamente culpa nenhuma. – Ai! De novo não. – gemeu sentindo
novamente a dor aguda no tornozelo.
− Eu carrego você. –
Rodrigo se aproximou novamente recolocando os braços ao seu redor.
− De jeito nenhum. –
retrucou tentando de libertar dos braços dele, mas fora inútil.
− Quer parar de ser
infantil, por favor?
− Eu não estou sendo
infantil! – defendeu-se ela, fitando-o com os olhos irritados.
− Está sim. – Caio
afirmou.
Ela os encarou
severamente com os braços cruzados.
− Qual é o problema de
vocês dois, posso saber? – Mel perguntou indignada com o
comportamento altamente exagerado de ambos. Ela não era mais
criança, sabia se cuidar muito bem... Ou quase isso.
− Você! –
responderam em uníssono.
Ela não teve tempo de se
opor a sugestão de ser carregada, foi surpreendida quando Rodrigo já
estava a carregando nos braços.
− Rodrigo! Isso é
totalmente desnecessário.
− Mel! Quer se
comportar?
Ela ficou em silêncio
enquanto eles seguiam de volta para casa, até ela perceber que
algumas pessoas na rua olhavam para eles com curiosidade.
− Isso é... Isso é
tão... Urgh! Isso é ultrajante, humilhante e... Eu posso caminhar
sozinha. – se desvencilhou novamente dos braços dele. Agora ela
tinha que concordar que estava sendo um pouco infantil. Mas ser
carregada até o prédio em que morava já era um pouco demais. –
Ai! – gemeu novamente, e dessa vez algumas lágrimas vieram junto.
A dor parecia estar aumentando.
− Viu só? Você não
está em condições de dar um passo sequer, muito menos sair andando
por aí. Fique parada. – ordenou ele, dessa vez, ela obedeceu.
− Mandão! –
resmungou.
− A culpa é somente
sua por ser tão desastrada. – Caio falou seriamente.
− Eu estava distraída,
é bem diferente. – contrapôs ela.
− Distraía tentando
derreter o próprio cérebro. Sei. – Caio falou revirando os olhos
e olhando para Rodrigo, que o olhou de volta e balançou a cabeça
como se afirmasse alguma coisa.
− Caio Cruz, cala essa
sua boca agora, ok? – falou em tom desafiador. Eles apenas a
ignoraram, e caíram numa gargalhada contida. – Vocês dois querem
para de rir? Não é nada engraçado.
− Tem razão. – a
expressão no rosto de Rodrigo ficou séria rapidamente. – Isso foi
imprudente, da próxima vez olhe por onde anda. – a analisou por um
momento com os olhos estreitos. – Aliás, não vai ter uma próxima
vez. – afirmou.
Chegaram ao apartamento
de Melody alguns minutos depois, ela nunca tinha reparado que Rodrigo
era tão forte. O rapaz não vacilara nem mesmo um segundo como ela
mentalmente torcia para acontecer, assim poderia seguir o caminho até
o prédio caminhando, ou mancando o que era mais provável de ter
acontecido.
− Não seria melhor
levá-la para o hospital? Isso pode ser sério. – Caio sugeriu logo
após Rodrigo colocá-la no sofá.
− Não. Eu odeio
hospitais, por favor, não? – implorou.
− Tudo bem, acho que
podemos lidar com isso. Vou ligar para a Dora. – Caio falou
calmamente.
− Dora? – Rodrigo e
Mel perguntaram ao mesmo tempo, enquanto se entreolhavam confusos.
− Estamos em paz,
esqueceram? – Caio explicou rapidamente, levando o celular ao
ouvido e indo em direção da cozinha. – Ela vai saber o que fazer.
Não demorou muito para
Dora chegar, ela já estava no prédio, pois havia esquecido o
celular na casa dos pais de Carol e fora até lá buscá-lo.
− O quê eles fizeram
com você? – Dora perguntou ao cruzar a porta e ver o estado de
Melody, que se mantinha parada enquanto os dois rapazes a encaravam
com os braços cruzados, talvez achando que ela fugiria a qualquer
momento.
− Nada de mais, só
estavam se divertindo às minhas custas, sabe como é? Homens! –
exclamou em tom de deboche.
− Claro! – Dora falou
olhando rapidamente para os dois e revirando os olhos. – A palavra
“insensível” é pouco para descrevê-los. – sorriu.
− Ei, nós estamos
aqui, lembram? – reclamou Caio agitando uma mão no ar.
− E não estávamos nos
divertindo, estávamos preocupados. Você é que está sendo muito
dramática. – Rodrigo retrucou.
− É, mas ela foi
supersimpática com aquele lá. – Caio debochou.
− Quem? – Dora
perguntou curiosa sentando ao lado de Melody.
− Eles devem estar
falando sobre o rapaz que quase me atropelou. – Mel comentou.
Inclinou-se um pouco na direção de Dora e sussurrou: – O Caio e o
Rodrigo acham que ele estava sendo... gentil demais.
− Ah! – abriu um
sorriso malicioso. – E ele era bonito? – perguntou deixando
Melody sem reação por um minuto, mas depois de encarar a amiga
percebeu qual era o seu plano maléfico. Resolveu entrar no jogo
dela, seria divertido.
− Ah, um pouco. –
respirou e olhou de esguelha para os dois, que pareciam impacientes.
– Sabe, uma mistura de Ian Somerhalder e Robert Pattison. –
exagerou na descrição, na verdade ela não fazia ideia de como era
a real aparência do quase atropelador, ela nem o olhara direito e
estava um pouco tonta quando o fizera.
− Nossa! – Dora
também exagerou na reação. – Da próxima vez eu vou com você.
− Você duas querem
parar? – ouviu Caio reclamar.
Dora o ignorou e retirou
o tênis e a meia de Melody com cuidado. Ela olhava e analisava o
machucado como se fosse expert
no assunto; com seriedade e atenção.
− Então, como está o
pé dela? – Rodrigo perguntou preocupado, antes que Mel o fizesse.
− Foi só uma torção.
Só vai precisar ficar de repouso por alguns dias, e colocar gelo
para desinchar. – falou e olhou para Mel. – Mas você vai
sobreviver. E aí vamos poder correr juntas. – sorriu, e Melody
sorriu de volta.
− Sem essa de correrem
só vocês duas, é uma exercício muito perigosa. Vamos todos
juntos. – Caio disse como uma solução final. – Certo Rodrigo?
− Certíssimo! –
Rodrigo respondeu sem hesitar.
Inevitavelmente, as duas
caíram na gargalhada, enquanto os dois rapazes as encaravam
gravemente ainda de braços cruzados.
− Bom, ela está em
boas mãos. – Caio falou repentinamente para ninguém em especial.
– Eu já vou indo, depois eu volto para saber como você está. –
olhou rapidamente para Mel e saiu em seguida. Dora franziu as
sobrancelhas e olhou para Rodrigo, que parecia um pouco distraído.
− Que situação
ridícula! Primeiro um desmaio, e agora isso? Não quero nem saber o
que ainda falta me acontecer. – suspirou olhando para o pé
machucado.
− Nem eu. – Rodrigo
agora a fitava com insegurança, como se tivesse certeza de que algo
mais ainda estava por vi. Os dois se encaravam sem sorrir. Dora
pigarreou um pouco chamando atenção para si.
− Acho melhor eu ficar
com você hoje. – ela falou.
− Ótimo. Eu também já
estou indo, mas antes... – foi até a bancada da cozinha e trouxe
consigo o iPod de Melody. – Eu fico com isso.
− O quê? Por quê?
− Vou apagar qualquer
má influencia que exista aqui. Você já é um perigo sozinha, não
precisa de trilha sonora. – seus olhos lampejaram rapidamente na
direção de Melody. – E vê se não pula pela janela! – ela
apenas respirou fundo, indignada, vendo-o partir com seu iPod sem
poder fazer nada. Quem ele pensava que era para falar com ela dessa
maneira? Inspirou lentamente para se acalmar.
• • • •
Algumas horas depois Mel
e Dora se encontravam jogadas no sofá de frente para a TV. Enquanto
assistiam a uma reprise de um filme antigo qualquer, com uma bacia
enorme de pipoca entre as duas, além de um pote de sorvete de
chocolate, conversavam e comentavam sobre o filme como velhas e
grandes amigas, dando altas risadas com o ar cômico de algumas
cenas.
O tornozelo de Melody
parecia bem melhor, ainda sentia um pouco de dor, mas depois de três
compressas de gelo tinha desinchado consideravelmente. No entanto,
ela o olhou seriamente e suspirou com receio. Dora percebeu e falou:
− É sério Mel, não
foi nada demais. Digo por experiência própria, alguém tão
desastrada como eu já teve suas doses de acidentes. – sorriu e
começou a relatar os seus acidentes, contando nos dedos. – Como,
por exemplo, uma perna quebrada, um pulso torcido, alguns arranhões
e vários galos na cabeça. E eu estou viva, não estou?
− Não é com isso que
estou preocupada. É em como vou contar para o meu irmão. Ele vai
pirar, sem dúvida. – falou fitando o nada. – Em menos de vinte e
quatro horas de ter prometido me cuidar, isso me acontece. –
respirou fundo. – Ele é meio super protetor, sabe? E, às vezes,
excessivamente cuidadoso comigo.
Dora não fez nenhum
comentário, apenas continuou assistindo ao filme em silêncio, mas
não parecia prestar muita atenção.
− Ele estava um pouco
diferente hoje, não acha? Parecia um pouco triste, incomodado. Ele
nem tentou implicar comigo. Tudo bem que prometemos ficar em paz,
mas, é estranho. – Dora comentou chamando a atenção de Mel.
− De quem você está
falando?
− Do Caio. – mordeu o
lábio inferior. – Deixa pra lá, deve ser só impressão minha.
Afinal eu não o conheço tão bem assim.
Vendo a expressão de
Dora, Mel falou:
− Ninguém é feliz o
tempo todo, Dora. Todos nós temos fantasmas escondidos em algum
lugar. Arestas soltas que não temos certeza se devem ser reparadas
para não causar mais dor. Tenho certeza de que não é diferente
para ele, ou para você, ou para o Rodrigo, ou para mim... ou até
mesmo a Bianca. – suspirou pensativamente. Sua colega de trabalho
era divertida, espontânea, tagarela... Mas, Melody sentia que ela
não era tudo isso realmente. Às vezes parecia que ela lutava
constantemente para ser aceita pelas outras pessoas, como se
precisasse sentir que era querida... amada. Foi à essa conclusão
que chegou ao ver o modo explicito como ela se jogava em cima de Caio
e Rodrigo. – Viver não é tão fácil afinal. – a encarou e
sorriu. − Além disso, ele pode ter apenas acordado de mau humor
hoje. Não fique tão preocupada, certamente amanhã ele volta a
pegar no seu pé.
Dora sorriu.
− Claro. Quero dizer,
não é o que eu quero... Por que estávamos falando sobre ele
afinal? Esse filme parece bem mais interessante. – Dora tentou
desviar do assunto.
Melody reprimiu um
sorriso.
– O Caio é legal, se
ele vive tentando provocar você e obtendo sucesso com isso, deve ter
um motivo. Ele parece ser bem mais maduro do que deixa transparecer,
pelo menos é o que penso. É inteligente, engraçado... e um
excelente cozinheiro. – riu suavemente. – E pelo o que pude
perceber hoje, também tem um lado sério e autoritário.
− Você fala dele
com... admiração. – Dora baixou os olhos encarando o chão.
− Isso a incomoda? –
Mel perguntou momentaneamente preocupada com a reação de Dora.
− O quê? É obvio que
não. – riu um pouco nervosa. – Por que me incomodaria? O Caio é
irritante. Mas quando quer consegue ser aturável, não sei. –
respirou fundo. – Talvez admirável, suportável... enfim. E o
Rodrigo? – indagou de repente.
− O quê é que tem
ele?
− O que você acha
dele? Quero dizer, ele parece bem mais maduro do que o Caio, e, além
disso, parece se preocupar bastante com você.
− Ele está se
mostrando um grande idiota mandão, isso sim. – declarou irritada,
olhando fixamente para a tela da TV, sem prestar atenção realmente
no que via e colocando uma boa quantidade de sorvete na boca.
Subitamente ouviu Dora gargalhar, mas não havia nada de engraçado
na cena do filme. Olhou para a amiga e frangiu a testa, desconfiada
vendo que ela a encarava. – Por que esta me olhando assim?
−Entendi. – falou
apenas e permaneceu sorrindo. Mel não entendeu a resposta dela.
− Entendeu o quê?
− Nada, Mel. – voltou
a encarar a TV comprimindo os lábios. – Absolutamente, nada!
Melody balançou a cabeça
em descrença. Talvez as pessoas dessa cidade fossem um pouco loucas.
De repente ouviu alguém
batendo na porta, ela olhou rapidamente para o pé que estava sobre
uma almofada e praguejou mentalmente. Dora ia se levantar quando foi
impedida por Melody, que segurou com firmeza a mão dela.
− Shhhh... – colocou
o dedo sobre os lábios pedindo silêncio e baixou o volume da
televisão. Dora apenas fez o que ela pediu franzindo as
sobrancelhas, confusa.
Mel tinha mais ou menos
uma ideia de quem se tratava, e como ainda estava sentindo-se um
pouco irritada por tudo o que acontecera, resolveu que seria melhor
não vê-lo. Ou seria capaz de atirar a primeira coisa que
encontrasse na direção dele. Se estivesse em condições apenas
bateria a porta na cara dele.
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