4 de junho de 2013

Capítulo 12 - Montanha-russa


Melody caminhava calmamente em direção ao elevador, quando lembrou que havia desligado o seu celular mais cedo para não ser incomodada por alguém inconveniente enquanto estivesse na lanchonete com Bia. E nesse caso, só existia um ser inconveniente o bastante capaz de tirá-la do sério com sua persistência irritante. E esse alguém era o seu ex-namorado que decidira ressurgir do seu mundinho obscuro.
Retirando o pequeno aparelho prateado da bolsa o fitou por alguns segundos, indecisa. Talvez não fosse uma boa ideia religá-lo. Na verdade repensou e achou que seria melhor que ela simplesmente o deixasse assim, pelo menos até trocar o número. Ela não sabia como iria explicar mais uma mudança de número do seu aparelho para o seu irmão mais velho, Juliano era completamente atento a qualquer atitude sua, e sabia que algo de muito grave havia acontecido entre ela e o ex. Mas como Mel nunca quis falar sobre o assunto, ele apenas esperou, sabendo que mais cedo ou mais tarde ela se abriria com ele. Entretanto, não era justo estar sempre mudando detalhes da sua vida em razão de quem não merecia, que não fazia mais parte dela... e que nem voltaria a fazer.
Tomando uma decisão definitiva, ligou o aparelho. Principalmente porque o seu irmão ficara de ligar para ela, e talvez até tenha tentado e não conseguido, a essa altura deveria estar preocupado. Respirou fundo e, estava prestes a entrar no elevador quando percebeu que alguém já se encontrava nele e a estava observando com um belo sorriso no rosto.
Só pode ser brincadeira! Pensou consigo mesma, sorrindo em resposta e sentindo-se um pouco sem graça na presença dele. Não que ele a intimidasse de alguma forma, mas ela acabou lembrando o que ele havia dito no final do seu show: “E cuidado para não derramarem o café no seu vizinho”. Aquilo com certeza fora para ela. E agora aqui estava ele.
Não se preocupe, não tenho café comigo. – falou para mostrar que estava tudo bem.
Fico aliviado por isso. – respondeu guardando o violão, seu tom de voz era calmo, isso a fez relaxar um pouco.
Não sabia que você cantava e tocava. – ela comentou, com tranquilidade.
E o que você achou? – indagou levantando um pouco as sobrancelhas, parecendo realmente interessado na sua resposta, seus olhos atentos.
Mel parou um instante para formular a resposta que daria. Ela havia ficado encantada com a música dele, que parecia única, diferente de qualquer coisa que ela já escutara. Mas, nesse exato momento seu celular tocou, e um vento gélido soprou em sua espinha lhe avisando de quem se tratava. E quando olhou para o visor sentiu uma fúria pulsante tomar conta dela, e gritou atirando o celular ao chão:
Como eu te odeio!
Só então se deu conta de que não estava sozinha. Olhou para o rapaz ao seu lado, completamente desolada. Sentiu seus olhos sendo inundados por lágrimas quentes, há muito reprimidas. Apenas as liberou, sem vontade de lutar contra o sentimento de fraqueza. E chorou. Repentinamente sentiu braços a envolver, como se estivessem construindo uma pequena fortaleza ao seu redor, guardando-a de qualquer coisa que pudesse feri-la. Então, fechou os olhos e deixou que ele a abraçasse. No mesmo instante sentiu cada pedaço de si sendo restaurado, e, o medo que tentava incansavelmente mascarar, foi afastado lentamente como uma nuvem de fumaça sendo levada pelo vento. O abraçou de volta, e se segurou a esse pequeno momento de paz. No entanto, como em um passe de mágica, sentiu-se inteiramente ridícula por chegar a esse ponto. Deixar-se abater por um simples telefonema não atendido foi no mínimo irresponsável, idiota.
Me desculpe. – falou afastando-se para longe dele, o máximo que o espaço lhe permitia, e o mínimo que conseguiu. Mas não o olhou nos olhos. – Você deve estar pensando que eu sou uma boba, não é? – limpou as lágrimas mecanicamente.
Eu não falei nada! – ele se defendeu calmamente.
Mel ignorou o olhar que Rodrigo sem dúvida lançava em sua direção, e olhou para o chão a procura da vítima de sua fúria.
Acho que ele vai ficar bem. – disse, referindo-se ao celular que estava praticamente intacto, sobrevivera com apenas alguns arranhões. – Isso foi idiotice. – murmurou mordendo o lábio e suspirou.
Você está bem? – perguntou, seu tom preocupado fez Melody o olhar pela primeira vez após o pequeno ataque.
Não. Mas vou ficar, não se preocupe. – sorriu.
Tem certeza? – dessa vez ela não falou nada, apenas afirmou com a cabeça. Guardou o celular de volta na bolsa e saiu do elevador quando ele finalmente parou. Sentiu que ele ainda a observava, e para deixá-lo tranquilo – sem saber realmente por que precisava, apenas sentia. –, virou-se para ele e falou: − Ah, e sobre o que eu acho da sua música... – sorriu, e dessa vez foi sincero. – Você toca muito bem, mas sinto que nem você sabe o quanto é bom. – refletiu por um segundo se deveria prossegui, mas como ele não disse nada e apenas abriu um sorriso torto, ela continuou. – Deveria tentar parar de pensar tanto quando estiver tocando. A música transmite aquilo que sentimos, e ela flui com mais naturalidade quando nos entregamos a ela. Alguém uma vez me disse que, não se vive de música, mas sim com ela... Pois ela é como o vento e se move com leveza independente. Deve-se senti-la sem pressa, sem esperar que nasça em algum lugar. Não é algo que se aprende, é um dom... E você o tem! – afirmou.
Quando terminou de falar, sentiu novamente vontade de chorar, mas dessa vez por outro motivo.
Esse alguém parece muito sábio.
Sim. Ela realmente era. – ficou um pouco constrangida por ter falado tanto e resolveu que por hoje era o suficiente. – Boa noite!
Boa noite!
Seguiu para o seu apartamento sem olhar para trás. Tudo o que mais queria era dormir, definitivamente.

• • • •

Uma forte luz batia incessantemente no seu rosto, um raio de sol que entrara pela fresta da janela. Melody olhou em volto do seu quarto notando que algo estava errado. Só não sabia o quê. Todos os móveis estavam onde deveriam estar, e sua bolsa se encontrava no mesmo lugar onde havia colocado quando chegara na noite passada; jogada de qualquer jeito no chão. Ao se mover sentiu uma fisgada do lado esquerda da cabeça. Mas o incômodo foi rapidamente esquecido quando seus olhos pararam no relógio sobre a mesinha de cabeceira. Era isso o que havia de errado: ela estava atrasada, terrivelmente atrasada.
Que ótimo! – resmungou indo direto para banheiro. – Se eu perder o meu emprego a culpa será toda sua seu... imbecil.
Após um banho rápido, trocou de roupas e saiu do apartamento, sem nem ao menos parar para comer alguma coisa. Passava das nove da manhã e tinha que estar no café às sete e meia. Pegou a bolsa, as chaves e... parou para pegar o celular que estava sobre o balcão. Enquanto tentava dormi – o que se mostrou uma tarefa quase impossível. –, depois da cena lamentável no elevador, decidiu que se ele voltasse a ligar acabaria com esse jogo idiota e diria tudo que esteve guardando esse tempo todo. Saiu do apartamento e praticamente correu quando viu a porta do elevador ao ponto de se fechar.
Esperem! – gritou, e logo se arrependeu. Ele estava lá, Rodrigo. Melody não sabia como encará-lo. Sem dúvida alguma, agora ele devia estar achando que ela era uma garota boba que chora por qualquer motivo, que age como louca atirando celulares ao chão e que não se incomoda em chorar em ombros de desconhecidos. Apenas entrou olhou em sua direção rapidamente, e cumprimentou a garota e o próprio com um “Bom dia!” quase inaudível, calando-se em seguida. No entanto, a garota e a menina saíram deixando-os a sós naquele ambiente minúsculo que parecia diminuir ainda mais a cada segundo. O silêncio era ensurdecedor e o elevador parecia se mover em câmara lenta.
Então, que tal uma carona? – ele perguntou, Mel virou-se em sua direção e o encarou. Rodrigo estava com os braços cruzados e com as costas apoiadas na parede do elevador, parecia despreocupado e sorria, minimamente.
O quê? – perguntou pensando não ter escutado direito. O sorriso dele aumentou.
Eu quero saber se você quer uma carona, não sei se estou certo, mas... acho que você está atrasada. Então?
Não é necessário, posso ir caminhando. – afirmou.
Eu insisto. Para onde você está indo?
O café que fica aqui perto, onde trabalho. – o café não ficava tão perto assim e já que estava atrasada deveria dizer sim a proposta de corona de Rodrigo, mas não se sentia a vontade para isso. – Não preciso de uma carona, é quase ali na esquina. – dizendo isso se encolheu num canto e começou a contar até dez.
Rodrigo crispou as sobrancelhas, desconfiado.
É impressão minha, ou você está com medo de mim. – a afirmação a pegou de surpresa.
Medo? Cla-Claro que n-não! – gaguejou.
Então...
Acho que te devo desculpas. – falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça no momento. – Sabe, pelo café e... por ontem, eu não deveria ter me comportado daquela maneira... infantil. Nem nos conhecemos e eu não queria deixá-lo em uma situação embaraçosa. Sinto muito!
Tudo bem, vamos por partes. – respondeu de maneira divertida. – Sobre o café, bem, acho que não foi nada com que deva se preocupar, eu não estava nos meus melhores dias e acabei descontando na primeira pessoa que encontrei... Eu é que devo um pedido de desculpas. – fez uma pausa e respirou fundo. – E o que aconteceu ontem, mesmo eu não sabendo o porquê de você ficar daquele jeito, só posso concluir que você aguentou o quanto podia e que chegou um momento que foi demais para você. – sorriu. – Na verdade, fico feliz por tê-la ajudado de alguma forma.
Obrigada! – falou retribuindo o sorriso. Era fácil fazer isso; sorrir na presença dele era natural. A porta do elevador finalmente se abriu e Mel estava prestes a sair quando foi impedida por ele.
Espera, ainda não terminei. – se aproximou alguns centímetros. – Sobre não nos conhecemos... isso pode ser facilmente resolvido. – estendeu a mão na direção de Melody. – Eu sou o Rodrigo... Rodrigo Evanz.
Melody Angnel. – Mel segurou a mão estendida. – Mas pode me chamar apenas de Mel. – falou rapidamente antes que ele começasse a chamá-la pelo nome.
Bom, agora não pode mais recusar a minha carona alegando que não me conhece.
Você nunca desiste?
Dificilmente!
Tudo bem. – cedeu por fim.
Damas primeiro. – ela revirou os olhos reprimindo um sorriso. Caminhou ao lado dele, até perceber que Rodrigo havia parado e estava olhando para ela com alguma coisa na mão, oferecendo a ela.
Só pode estar de brincadeira, não é? – perguntou com os olhos arregalados.
Algum problema? – indagou curioso vendo a reação dela.
É... – engoliu em seco. – É uma moto. – a declaração mais pareceu uma acusação.
Sim, é assim que me locomovo. Mel?
Eu não sei se é uma boa ideia. – ela estava apavorada só de se imaginar subindo na moto dele. – Eu nunca fiz isso antes, digo... andar de moto. Hum, não é perigoso?
Depende de quem a conduz. – olhou para ela. – Sério, Mel, eu nunca deixaria nada de ruim acontecer a você. – ofereceu a coisa que estava segurando; um capacete. – Confie em mim?
Mel sentiu como se tivesse acabado de entrar em uma sala congelada, o frio a envolveu completamente. Ele não devia ter dito isso, pensou.
Ah, eu não... – deu alguns passos para longe dele. Riu nervosamente. – Eu não posso. Desculpe!
Mel...
A gente se ver Rodrigo. Tchau! – E saiu o mais rápido que conseguiu da presença dele. Isso foi exagero Melody, o garoto não te pediu para pular de uma ponte, ou fugir do país com ele. Era só uma carona. Uma voz autoritária a repreendia.
Eu sei. Mas não faz muita diferença confiar em alguém e se machucar em um acidente de moto, não é? A voz não respondeu. Ótimo, agora estou discutindo comigo mesma. Acho que preciso de um café. Concluiu.
Desculpe pelo o atraso. – disse para Bia, assim que chegou até o balcão onde ela estava folheando uma revista, como de costume.
Atraso? Do que você está falando, você chegou na hora. – Bia afirmou após dá uma rápida olhada no relógio que estava em seu pulso.
Hum, estou quase três horas atrasada. – retrucou Mel.
Não, não está. – reafirmou. – Ah, acho que você não recebeu a mensagem que eu te enviei dizendo que hoje você podia chegar às dez. É assim que será aos sábados, reversamos, o próximo sábado é meu. – avisou.
Eu tive um pequeno problema com o meu celular. – disse apenas. A garota a sua frente abriu um largo sorriso, colocando a revista de lado e tamborilando os dedos sobre o balcão animadamente.
Já que você está aqui, vamos jogar conversa fora. – Melody deu a volta no balcão e ficou ao seu lado, sorriu.
Não é, vamos trabalhar?
Olha em volta. – pediu. – O que você ver?
Mel fez o que ela pediu e percebeu que o café estava praticamente vazio, além delas duas, só havia mais duas garotas que conversavam distraidamente com sacolas e mais sacolas de compras ao redor da mesa.
Entendi.
Devo dizer que dá a manhã de folga para você foi uma péssima ideia, o lugar ficou assim a manhã toda. Mas agora que você chegou esse problema logo será resolvido. – declarou de modo profético.
Não compreendo.
Tá brincando, né? Desde que você veio trabalhar aqui o movimento aumentou, e se não acredita no que estou dizendo é só prestar atenção quando as pessoas começarem a aparecer, e vai concluir que são todas do sexo oposto. Acho que você é uma Rodrigo de saias, atrai qualquer clientela. – sorriu, e dessa vez o seu sorriso assustou Melody. Era o sorriso mais malicioso que ela já vira vindo de Bia. – E por falar em Rodrigo, o que você achou dele.
Como assim?
Não se faça de desentendida Mel, eu vi que você ficou o tempo todo olhando para o palco, estava praticamente hipnotizada. – disse em tom irônico e piscou para ela.
Não sei como conseguiu prestar atenção em qualquer outra coisa, era você quem estava perdida em outro mundo onde só existiam vocês dois. – contra atacou.
O país das maravilhas. – suspirou apaixonadamente e exageradamente.
E, além disso, eu não estava prestando atenção nele, mas sim na música. Ele toca muito bem.
E a voz dele é maravilhosa, não se esqueça da voz; meio rouca e meio suave. Ele é incrível! Mas que bom que você se prendeu na música... porque eu o vi primeiro. – com seu comentário absurdo, Mel revirou os olhos. Não que Rodrigo não fosse bonito e interessante, entre muitas outras coisas... Mas, ela não estava disposta a entrar novamente em um relacionamento, estava mais preocupada com outras coisas e rapazes não encabeçavam os primeiros itens da sua lista com certeza.
Depois de mais uma dezena de perguntas sobre Rodrigo e suposições sobre quais serias suas preferências, Bia finalmente deu uma pausa para hora do almoço. E mesmo Melody não tendo tomado café da manhã não sentia a menor fome, sendo assim se ofereceu para ficar no café até Bia voltar. E para a surpresa de Melody, Bianca tinha razão quando disse que o movimento não tardaria a voltar ao normal, só não concordava que ela era o motivo. Já era quase três horas da tarde quando o telefone do café tocou e Bia soltou um suspiro desanimado após desliga-lo.
Algum problema?
Não, mas preciso te pedir um favor. – Bia falou. – Você poderia levar essa garrafa de café na loja aqui do lado? – perguntou.
Claro! Mas eu não sabia que tinha uma loja ali. Do que é? – perguntou com curiosidade.
De instrumentos musicais, quer dizer, não é bem uma loja é uma luteria. – olhou para Mel com os lábios franzidos e tentou explicar. – É um lugar...
Eu sei o que é uma luteria. – declarou com um sorriso.
Ótimo! Bem tem o tal luthier, o nome dele é Rafael. Você não sabia que tinha uma loja ali porque ela estava fechada, bem ela não deveria ter ficado fechada, mas o Rafael teve que se ausentar por uns dias e deixou o neto cuidando dela. Resultado, ele é um completo irresponsável e preferiu deixar a loja de portas fechadas a fazer alguma coisa que valha a pena. – franziu um pouco os lábios. – Aliás, ele é o meu ex, quero dizer o neto e não o avô... ah, você entendeu, mas isso não vem ao caso agora. – disse voltando para o assunto principal. – O avô o despediu e agora está sozinho enquanto não contrata ninguém, o que não é fácil, esse negócio de restaurar e construir parece ser bem difícil. Então o meu pai me pediu para dá uma olhada no Rafael sempre que ele precisar. E é aí que você entra, como ele acabou de ligar pedindo o café, você vai até lá. E não se preocupe, ele é legal, mas eu não entendo nada de música, sonoridade e... bem ele adora falar dessas coisas.
E o que a faz pensar que eu entendo? – contrapôs Mel, sentindo-se um pouco tonta com o relato da garota.
O seu nome. – declarou como se fosse bem óbvio. – Continuando, Rafael é do tipo que adora falar e você é do tipo que escuta, uma combinação perfeita. Agora vai lá que eu seguro as pontas até você voltar.
Ok!
Pegou a garrafa térmica com café e foi até pequena luteria. Entrou, e deteve-se por um instante ao olhar em volta e não encontrar absolutamente ninguém.
Olá? – chamou.
Olá! – uma voz atrás dela respondeu, fazendo-a saltar com o susto e segurar a garrafa contra o peito. O senhor, que ela constatou ser o tal Rafael, apenas riu. – Eu posso estar ficando velho, mas tenho quase certeza de que seu cabelo era loiro e seus olhos azuis.
Er, bem, eu não sou a Bianca. – falou como se não estivesse na cara. – Ela me pediu para trazer a garrafa de café, espero que não se incomode com a troca.
É claro que não, aproxime-se. – falou. – Aquela garota me acusa de falar pelos cotovelos, mas é ela quem não para de falar um só minuto. – Mel não pôde discordar, já que pensava da mesma maneira. – E você, quem é?
Meu nome é Melody, eu sou colega de trabalho da Bianca.
Ah, Melody... Melodia... é um lindo nome. – pela primeira vez não tentou demostrar sua contrariedade ao fato de não gostar de ser chamada de Melody.
Obrigada!
Entregou a garrafa térmica e estava de saída quando Rafael a chamou.
Sem querer abusar, mas será que você pode me ajudar? O meu último ajudante era um inútil e acabou deixando os meus arquivos uma bagunça, e eu estou procurando por um especificamente, mas não sou bom com tecnologia.
Claro, eu posso ajudar.
Após revirar quase todas as pastas que estavam no computador e encontrar o arquivo desejado, e em seguida imprimi-lo – o que levou mais tempo do que ela poderia imaginar –, Melody se despediu do luthier.
Bem, eu tenho que ir.
Obrigada! – agradeceu Rafael. Estava a alguns passos da porta quando ela a chamou novamente. – Espere só um minuto, querida. – e saiu para os fundos da loja. Melody aproveitou para observar um pouco o lugar. Havia peças e instrumentos de corda por toda a parte, mas o que chamou sua atenção foi um quadro que estava sobre a bancada do computador. Era uma cópia perfeita da luteria de Antônio Stradivari do pintor inglês Edgar Bundy, ela sempre achou essa pintura linda, inspiradora. Sua atenção foi arrancada parcialmente quando ouviu dois rapazes entrarem na loja. Porém, continuou de costas contemplando o quadro.
É serio, aquela garota vai acabar me enlouquecendo. Ela é maluca! – um deles falou, com um tom divertido na voz.
Tem certeza de que não está fazendo nada para provocar essa situação? Você não me parece nenhum santo. – o outro perguntou com um ar mais sério. Engraçado, por um momento ela achou que conhecia aquela voz de algum lugar.
Nunca disse que era. – rebateu o primeiro, e Mel teve a estranha sensação de saber exatamente a expressão que estaria no rosto desse alguém se estivesse olhando diretamente para ele; era uma mistura de infantilidade, malicia e cinismo. – Mas também não tenho culpa por ela ser uma irresponsável.
Bom, aqui está! – Rafael apareceu de repente assustando-a novamente, carregando um embrulho.
Hum, o que é? – perguntou relutante ao segurar o embrulho nas mãos. O luthier piscou o olho e sorriu.
Você só vai descobrir quando abrir. – falou.
Melody estava tão concentrada no pequeno objeto à sua frente que não se deu conta que repentinamente o silêncio havia se instaurado no ambiente. Abriu o embrulho e fitou demoradamente cada detalhe da pequena e delicada caixinha de música que acabara de ganhar. Seus olhos percorreram por cada detalhe do entalhe perfeitamente desenhado de flores e notas musicais. Ela era tão delicada que Mel tinha medo até mesmo de olhar para ela e causar algum dano.
Eu não posso aceitar. – disse com um sussurro, fez menção de estregar a caixinha de volta. Mas Rafael a impediu colocando suas mãos sobre as dela.
Não se pode recusar um presente, ainda mais quando se é de coração. – avisou com um sorriso que aqueceu o coração dela. Apontou para um pequeno objeto que se encontrava do lado direito da caixinha, e disse: − Gire a chave.
Mel concordou e, ao fazer isso, uma linda música começou a tocar. Ela sorriu e fechou os olhos pensando estar sonhando. Em seu sonho uma garotinha dava giros e mais giros ao lado de um piano, enquanto uma bela mulher tocava para ela dançar. Somewhere over the rainbow, era essa a música que a mulher e a caixinha tocavam ao mesmo tempo.
É linda! – ela sussurrou.
Eu disse algo errado? – Rafael perguntou tirando-a do seu sonho e trazendo-a para o mundo real, onde a mulher que estava ao piano não mais existia.
O quê? – o fitou e ao perceber a expressão em seu rosto notou que ele parecia um pouco preocupado. Mel só descobriu o motivo quando sentiu um líquido quente sobre suas bochechas: lágrimas. As limpou e tratou de tranquiliza-lo rapidamente. – Não, eu adorei, de verdade, ela é linda. Obrigada, Rafael! – agradeceu com um sorriso que acabara por convencê-lo.
Mel?
Alguém a chamou e antes mesmo de virar para saber de quem se tratava, já tinha certa noção de quem era. Ele de novo!, pensou sentindo-se derrotada. Era a segunda vez que ele a via chorando, e se antes não achava que ela era uma fraca e chorava por qualquer motivo, agora certamente acharia.
Oi, Rodrigo! – o encarou e apertou a caixinha em suas mãos, como se ela, de alguma forma, pudesse impedi-la de cair se isso viesse a acontecer.
Oi! – a cumprimentou de volta, sem parar de olhar para ela. Na certa ela deveria estar com o rosto vermelho pós-choro. Mel desviou os olhos dele, sentindo-se exposta e olhou para o outro rapaz que estava com ele. Seus olhos verdes e o sorriso sincero a fizeram lembrar do seu irmão mais novo, e as características que lhe atribuíra antes batiam perfeitamente. Ela sorriu para ele. – Desculpe, deixe-me apresentá-los... – Rodrigo falou um pouco desconfortável. – Esse é o Caio ele é meio que nosso vizinho. – sorriu, mas seus olhos estavam sérios. – Caio, essa é a Mel!
Olá, Caio!
Olá, Mel. – falou ainda sorrindo. – Na verdade já nos conhecemos. – mas como Mel franziu as sobrancelhas em dúvida, ele disse em seguida. – Quero dizer, eu já te vi algumas vezes, numa delas vocês estavam discutindo. – falou referindo-se a Melody e Rodrigo.
Ah... – ela estava prestes a dizer que o que eles tiveram não havia sido bem uma discussão, mas foi interrompida em seguida quando alguém entrou na loja e caminhou em sua direção.
Mel, nossa porque a demora? – Bia perguntou. – Já sei, o Rafael está te contando da certa vez em que ele matou um dragão com um violão, não é? Porque se estiver é pura lorota! E... – parou de falar e ficou completamente imóvel quando viu quem se encontrava na loja.
Bia? – Mel chamou a amiga agitando a mão na frente do rosto dela. Mas os olhos azuis da garota estavam fixos em Rodrigo, que ficou impassível com um vinco na testa sem entender a reação da garota. – Ei, Bianca?
O que aconteceu? – piscou os olhos, confusa. – Você disse alguma coisa?
Acho que era você quem estava falando. – Caio falou sem consegui conter o riso. Melody olhou seriamente para ele, que tentou, mas não conseguiu parar de sorrir.
Nossa, eles se multiplicam. – sussurrou, agora olhando para Caio que definitivamente estava achando o comportamento de Bianca simplesmente divertido. E finalmente depois de decorar detalhadamente as características do rapaz, lembrou da existência de Melody. – Ah, sim seu celular estava tocando e, eu não atendi, não sou nenhuma enxerida então vim te chamar, mas então ele parou e... eu gostei do toque do seu telefone é legal, onde eu estava mesmo? – parou e colocou o indicador no queixo, refletindo. – Humm... ah tá lembrei, era um tal de stronzú. Aliás, que espécie de nome é esse, é estranho, coitado. Quem colocaria um nome desses em alguém?
Melody sentiu-se momentaneamente mal.
Bem, não é stronzú... É strronzo. – a corrigiu. – E não é exatamente um nome...
É imbecil em italiano. – Caio a interrompeu.
Eles se multiplicam e um deles fala italiano, perfeito! – suspirou novamente.
Qual o problema dela? – Caio perguntou, agora, um pouco assustado. Dessa vez Melody foi quem não conseguiu conter o sorriso. – Eu não falo italiano, mas meu avô adorava falar isso quando não gostava de alguém, ou batia o pé em alguma coisa.
Melody mordeu o lábio e segurou a caixinha de música com mais força. Era como se fosse desmaiar a qualquer momento.
Você está bem, Mel? – Rodrigo perguntou de maneira íntima, encarando-a. – Parece um pouco pálida.
Decidiu ignorar a sensação de estar perdendo os sentidos e mentiu.
Eu estou bem sim.
Vocês se conhecem? – Bianca perguntou fitando Mel de maneira estranha.
Somos vizinhos. – Rodrigo falou, fazendo Bia olhá-la, dessa vez, com mágoa e chamas nos olhos.
Ah. – foi tudo que disse antes de sair em disparada da loja.
Bia, espera! – Mel pediu. – Droga! – exclamou irritada. − Obrigada pela caixinha de música... – agradeceu mais uma vez a Rafael que assistira a tudo, provavelmente sem entender nada. E olhou para Rodrigo com os olhos estreitos. – E obrigada por ser inconveniente.
O que foi que eu fiz? – o ouviu perguntar antes de dar as costas e ir em direção ao café. Melody desconfiava que havia feito algo errado, quebrado alguma regra de amigas que certamente existia em algum lugar; ela não contara que Rodrigo, a obsessão da sua única amiga na cidade, era seu vizinho.
O problema é que não foi nada planejado, a única culpada era a própria Bia que nunca parava de falar e sempre que Mel ficava com o “bastão” da palavra por mais de um minuto Bia decidia reivindicá-lo pelo resto do dia. E, enquanto estavam na lanchonete no dia anterior e percebeu quem era o “cara” por quem Bia estava “a fim”, até tentou dizer, mas então aconteceram tantas coisas... Foi isso que tentou explicar a Bia, mas ela simplesmente a ignorou.
Quando chegou ao seu prédio, depois do dia mais longo e cansativo que tivera desde que chegou à cidade, seu único desejo era deitar na sua cama e dormir. Ainda estava sentindo-se franca, talvez fosse apenas por falta de alimentação. No entanto, seus planos foram roubados quando o porteiro do prédio a avistou indo em direção ao elevador, e a chamou lhe dizendo que havia chegado uma grande encomenda logo após ela ter saído de casa. Por um momento, ela pensou que ele estivesse exagerando, mas quando parou em frente ao seu apartamento achou que só poderia estar vendo coisas. Caixas e mais caixas estavam empilhadas ao lado da sua porta.
Maravilha! Quem precisa dormir depois de um dia desses? – resmungou fitando as caixas que pareciam estar rindo dela. Observou atentamente cada uma delas, e mesmo se sentindo exausta sorriu ao ver que em cada uma delas havia algo escrito: clássicos, poemas, contemporâneos, Shakespeare... do mesmo jeito que deixara antes de sair de casa. Eram os seus livros. Restava saber como os levaria para dentro do apartamento, era algo que prometia durar a noite toda, pelo menos sem ajuda.
Entrou no apartamento, e no instante seguinte começou a ouvir uma discussão que estava vindo do corredor. Voltou para encarar e lidar com as caixas, decidiu que deveria começar com a mais leve, mas então descobriu não existia nenhuma que fosse menos pesada que a outra. Suspirou derrotada, não deixaria seus livros passarem a noite ali, nem que fosse preciso ter que vigiá-los. Estava tentando resolver o que fazer quando ouviu uma terceira voz entrando na discussão. Espera um pouco, eu conheço essas vozes, pelo menos duas delas. Pensou seguindo-as.
E estava certa, os dois rapazes ela conhecia, afinal os vira não fazia tanto tempo, mas a garota não.
Você é inteiramente sem confiança, não é mesmo? O que aconteceu com a nossa trégua? – o rapaz, que ela reconheceu ser Caio, falou impaciente.
Com licença? – Mel falou, mas ninguém pareceu ouvi-la.
Você é irritante sabia. – a garota o encarou direcionando toda a sua revolta sobre ele. – Eu nunca mais quero vê-lo na minha frente. – gritou alterada.
Melody tentou mais uma vez.
Olá? – mas, já que estavam ocupados demais trocando insultos e se recusavam a escutá-la, Mel decidiu pegar pesado. Comprimiu os lábios e soltou um assobio estridente, seus irmãos o chamavam de assobio Angnel, quando utilizado era capaz de ser ouvido do outro lado do mundo. Pelo menos funcionou. − Silêncio, por favor! – pediu vendo-os olhando para ela incrédulos. – Certo, está bem melhor assim. Podem me dizer o que está acontecendo aqui?
É exatamente o que estou querendo saber. – Rodrigo disse após um segundo.
Não está fazendo um bom trabalho. – ela o acusou. Cruzou os braços e olhou para Caio e a garota que não conhecia, mas tinha a impressão de já tê-la visto em algum lugar. – Então... – incitou.
Pergunte para ela, foi a senhorita nariz arrebitado quem começou. – Caio se defendeu. Mas não parecia muito sincero. – Sou completamente inocente, dessa vez.
Inocente? – ela o olhou com raiva. – Olha aqui, por sua causa eu levei uma bronca dos pais da Carol. Por muito pouco eu não perdi meu emprego!
Se quer minha opinião, você nem deveria estar nele. – Caio retrucou. Vendo que discussão estava para recomeçar, Mel agiu.
Já chega! – exclamou impaciente. – Caramba, parecem duas crianças. – disse olhando para Rodrigo, que deu de ombros como se dissesse “bem que eu avisei”.
Mas o quê é que está havendo aqui? – surgiu uma voz atrás deles. E parecia bem zangada. – Eu recebi três reclamações de um barulho vindo deste corredor. – alertou. Mel se virou e o reconheceu, era o síndico do prédio, o senhor João.
Eu posso explicar... – Caio tentou falar.
Você não mora no outro prédio, rapaz?
Sim, mas...
Ele olhou para cada um deles. Esse dia não poderia piorar, pensou Melody, ouvindo a voz do homem ficar mais distante a cada instante. Estava exausta, faminta e louca para tomar um banho, sem falar que tinha uma pilha de livros esperando para serem devidamente guardados.
Eu sou o síndico desse lugar e é meu dever zelar pela segurança e bem estar dos moradores e...
O interrompeu com a melhor ideia que teve na hora.
Foi uma barata! – exclamou atraindo o olhar de todos.
Está querendo dizer que uma barata está fazendo todo esse barulho? – o senhor João perguntou desconfiado.
Não diretamente, a barata é a causa do barulho. – explicou. – A culpa foi minha senhor, quando entrei em casa ela estava lá, olhando diretamente para mim, foi horrível. – colocou todo o drama que conseguiu na falsa declaração. Viu quando Rodrigo tentou conter a risada, assim como Caio que colocou a mão na boca. E a garota não ficou atrás. – Veja bem, eu tenho um trauma enorme em relação à baratas, elas me apavoram. Então, os meus amigos tentaram me ajudar, mas ela acabou voando, eu me assustei e gritei histericamente. – enfatizou. – Sinto muito, não queria causar nenhum incômodo. Se quiser posso pedir desculpas a cada um pelo meu comportamento descontrolado. – sugeriu sentindo-se completamente dissimulada.
Bom, não é necessário. – afirmou colocando as mãos atrás das costas e tossindo um pouco. – Se a causa foi essa tenho certeza que todos iram entender. Tenham uma boa noite! – caminhou lentamente em direção ao elevador e acenou antes que as portas se fechassem. No instante seguinte a risada geral foi inevitável, mesmo Mel se sentindo mal por ter enganado alguém, não se conteve e riu também.
Uma barata? – Rodrigo indagou sorrindo. – Ninguém nunca falou para você que mentir é feio?
Se está tão preocupado, eu posso ir até lá e falar a verdade. – retrucou de forma sarcástica. – Certo, essa foi por pouco. – estava prestes a seguir para o seu apartamento quando uma ideia lhe surgiu. Os três estavam parados e franziram as sobrancelhas quando ela abriu um largo sorriso. – Rodrigo, Caio e...
Dora. – a garota falou seu nome estendendo a mão na direção de Mel.
Mel. – se apresentou com um rápido aperto de mão, que mais pareceu um pequeno choque elétrico. Ambas sorriram uma para outra de forma amigável e sincera. – Os três, venham comigo. Pelo o que pude constatar, vocês parecem gostar de gastar energia discutindo, então por que não me ajudam com isso? – apontou para as caixas. – Seria bem mais produtivo, sabe, ajudar alguém que está precisando e que acabou de livrar a cara de vocês.
Além de mentirosa, é chantagista! – Rodrigo afirmou, e ela teve a impressão de ver um sorriso escondido em algum lugar. Mas, ele logo desapareceu dando lugar a uma expressão séria. – Se você não percebeu, eu não tive nada a ver com a discussão deles dois, já tenho os meus próprios problemas. E por falar nisso, o que foi aquela história de eu ser inconveniente?
O que são essas coisas? – Caio perguntou atraindo a atenção de Mel.
Caixas! – Dora falou em tom irônico.
Você é hilária! – ele franziu os olhos para ela.
Suspirando profundamente, enquanto Rodrigo ainda esperava por uma resposta e os outros dois ameaçavam retornar com a discussão, Melody constatou que esta seria uma longa noite. E não estava sendo nada agradável continuar com a sensação de estar prestes a desabar. Era como estar em uma montanha-russa.

Nenhum comentário:

 renata massa