Um dia de cada vez.
Esse era o seu
pensamento otimista habitual. Não que funcionasse, mas de certa
forma era uma maneira de manter-se no presente, mesmo algumas vezes
sendo impossível. Suas lembranças eram sempre muito vívidas e
faziam seu peito apertar de saudade.
Os seus dias nunca
foram os mesmos desde uma pálida e gélida manhã de inverno há dez
anos, quando a única pessoa que realmente amou foi tirada
abruptamente de perto dela. Alguém insubstituível. E agora ela
estava sozinha. Mas de certa forma já estava habituada com a
solidão. Não é tão ruim quanto algumas pessoas afirmam, nem tão
sombria. Apenas necessária, como se servisse para preencher um vazio
impreenchível.
Melody Angnel
Guimarães – ou só Mel como prefere ser chamada – caminha
lentamente pelos corredores do novo prédio onde irá morar pelos
próximos... anos? Talvez. Nem ela mesma sabe. Aos 18 anos suas
preocupações estão longe de serem aquelas de jovens comuns que
acabaram de sair da escola e estão de olho nas suas futuras
carreiras. Não, Mel não é uma garota festeira, sair só se for
para ir até uma livraria ou se perder pelas prateleiras
intermináveis de uma grande biblioteca; conhecer novas pessoas?
Talvez! Personagens de livros conta? Ser alegre e otimista? Não,
definitivamente não!
Agora ela esta
colocando a chave na fechadura e idealizando uma grande recepção
que não acontecerá. Melody, ou só Mel, irá morar por tempo
indeterminado em um apartamento de três cômodos – que ela gosta
de chamar de loft
só para dá um ar de jovial e moderno.
Essa garota
diferente, irônica e solitária tem uma grande e sofrida história
para nos contar. Uma história de como foi sair do seu país natal há
dez anos para morar com o seu pai ausente, depois da morte prematura
da sua mãe em consequência de um câncer. Como foi para ela
habituar-se a novos ares. Como foi para ela conhecer o primeiro amor
e logo em seguida a traição, como foi para ela decidir que não
adianta o tamanho dos seus sonhos, sempre terá alguém chamado Deus
que fara de tudo para te mostrar que a vida real não é fácil. E
principalmente como foi para ela decidir abrir mão da sua família e
viver solitariamente entre desconhecidos.
Após entrar no seu
novo apartamento, fecha a porta atrás de si e caminha até a grande
janela que se encontra na minúscula sala. Dando uma rápida olhava
na vista privilegiada que tem da cidade ao entardecer, vai até as
caixas que o porteiro a ajudou a carregar até seu novo lar. E
calmamente começa a organizar seus poucos pertences, pelo menos
aqueles que deram para trazer consigo.
Duas horas depois
parou para observar o trabalho feito.
É claro, não deu
organizar muita coisa, afinal o espaço era restrito. Mas pelo menos
deu para o essencial. No seu quarto tinham apenas uma cama de casal,
e um armário embutido, onde guardou suas roupas de maneira
organizada, sempre separando cada peça por cor e tom, era meio que
uma espécie de terapia para ela.
Na cozinha via-se
apenas um pequeno fogão preto, uma geladeira antiga com aparência
dos anos cinquenta. E dois bancos altos que ficavam encostados ao
balcão.
Na pequena estante
que estava na sala colocou alguns dos seus livros preferidos – os
únicos que couberam na mala, porém, seu irmão prometera que
enviaria o restante o mais rápido possível –; algumas fotografias
da família, onde se via claramente a contradição entre alguns dos
seus membros. Principalmente entre ela e todo o resto.
Mas, não pelo fato
de todos estarem sorrindo naturalmente enquanto ela mantinha um
mínimo sorriso tímido em seu rosto. A diferença gritante estava no
fato de todos serem loiros de olhos claros, enquanto Mel tinha um
cabelo liso negro brilhante e grandes olhos castanho-escuros. Era
como se não se encaixasse de verdade naquela família que parecia
não pertencê-la.
E isso era tudo.
Com um suspiro
satisfeito, decidiu tomar um banho.
Logo depois parou em
frente à sua cama, enquanto enxugava os cabelos caprichosamente com
uma toalha, olhou para o seu laptop dando mais um suspiro, dessa vez,
pensativo.
Ela prometera avisar
quando estivesse se estalado, dá notícias. Dizer o que estava
achando de voltar a sua cidade natal... E para o desejo e
tranquilidade da sua nonna
dizer quando voltaria.
Mas ela não faria
isso, recomeçar era a sua palavra de ordem. Talvez devesse dizer que
não tinha como se comunicar no momento. Mel só queria um pouco de
paz. Sem ninguém para olhá-la de esguelha como se esperassem por
lágrimas que constantemente ameaçavam vir à tona. Por outro lado
era uma obrigação sua ligar para os Angnel, eles eram a sua única
família. No entanto, antes de completar tal pensamento foi
surpreendida por um bip rítmico que provinha do seu computador. Um
novo e-mail.
Não era necessário
ver o seu remetendo, ela já sabia de quem se tratava: Juliano, seu
irmão mais velho. Na verdade meio-irmão, mas Mel nunca ligou para
esse detalhe sem importância. Ela amava cada um dos seus irmãos, o
seu real problema era com seu pai, seus irmãos não tinham nada a
ver com isso.
Abriu o e-mail e
sorriu enquanto lia atentamente e silenciosamente as seguintes
palavras:
Querida irmã sem
coração,
Já estou com
saudades, é estranho não te ver escondida por aqui com algum livro
embolorado contra o rosto (risos). Eu sei que você disse que
precisava ficar um pouco sozinha, mas saiba que sempre pode contar
comigo. Eu sei que você sabe disso, mas não custa nada ratificar,
certo? A Isabella e o Pedro também estão com saudades, e é claro
que nossa querida avó tem me tirado a paciência querendo saber
notícias suas. Não se preocupe, como você me pediu – devo
acrescentar, quase implorou? – eu disse que não sabia como entrar
em contato com você, e que você faria isso o mais rápido possível
só não demore muito, está bem? Eu não sei por que você decidiu
se afastar dessa maneira, mas não se isole muito, sentimos a sua
falta.
Cuida-se, amo
você!
Juliano.
P. S. Viu só?
Escrevi em português, somente para você. Mas não fique convencida.
E, er... Ele perguntou por você.
Após ler e reler o
pequeno, mas emocionante texto, escreveu uma rápida resposta,
acrescentando ou retirando algo que achava sem importância. Ela
conseguia se expressar melhor em silêncio, falar ou escrever sempre
foram coisas difíceis para ela, ou nem sempre... Mas um dia tudo
muda, não é mesmo? Sem se quer analisar o e-mail, o enviou fitando
a tela do por alguns minutos.
Levantou e foi até
a cozinha, seu estômago estava reclamando por alguma comida, colocou
duas fatias de pão na torradeira, e um pouco de água para ferver na
chaleira. Em seguida pegou um bloquinho de anotações que estava no
balcão e começou a fazer uma lista do que precisava fazer no dia
seguinte.
- Comprar algumas frutas;
- Visitar uma livraria;
- Comprar um jornal;
- Arrumar um emprego.
Assim que terminou
de preparar o seu chá com torradas decidiu assisti de camarote o
lindo pôr-do-sol. Ao longe o sol lançava seus últimos raios
enquanto o crepúsculo aos poucos tomava conta do céu azul, e Mel
pensou:
O sol se põe
para renascer junto com um novo dia... um recomeço.
Assim como ela.
3 comentários:
Aiaiai.....Qual será o mistério da Mel? Amei a personagem.
Curiosa para saber os próximos capítulos.
Beijos ;-)
Percebi um mistério sobre a personagem e é algo bom para prender a atenção no texto. Gostei das descrições do local. Embora tenham me avaliado como escritor prolixo não costumo descrever com tantos detalhes os ambientes.
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